Uma imagem que mostra a diferença entre a pele do rosto e do pescoço de uma mulher de 92 anos, que usou protetor solar somente na face por mais de quatro décadas, viralizou nas redes sociais na última sexta-feira (2) e segue repercutindo entre os internautas. Divulgada no perfil de uma dermatologista, a foto integra um artigo publicado em outubro de 2021, no Jornal da Academia Europeia de Dermatologia e Venereologia (JEADV, na sigla em inglês), sobre envelhecimento e prevenção primária do câncer de pele.
De acordo com a legenda da imagem, a idosa “usou hidratantes com proteção UV no rosto, mas não no pescoço por mais de 40 anos”. Os autores apontam que “o exame clínico revela uma diferença marcante no dano solar entre a bochecha e o pescoço”. Nas redes sociais, usuários ficaram chocados com a visível discrepância entre as áreas e debateram sobre a falta de acessibilidade ao filtro solar. Dermatologistas também utilizaram o espaço para ressaltar a importância do uso correto do produto, principal aliado na prevenção ao câncer de pele.
Entretanto, apesar de os especialistas concordarem que o sol causa envelhecimento e danos à pele ao longo dos anos, a imagem causou discordância entre profissionais da área - alguns, por exemplo, defendem que o resultado da face só pode ser obtido com procedimentos estéticos.
Lia Dantas, médica pela Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) e professora de Dermatologia na Faculdade de Medicina da Unisinos, ressalta que a JEADV é uma revista superconceituada e muito criteriosa em suas publicações. Também comenta que essas diferenças muito expressivas geralmente são vistas em pessoas com muito dano do sol, que fizeram peelings profundos, mas garante que é possível, sim, ter uma grande discrepância quando há histórico de exposição contínua, sem protetor, por décadas:
— Isso a gente encontra muito na pele de pessoas idosas, que nunca pegaram sol na mama, no abdômen ou no glúteo, mas têm o colo, o pescoço ou até o rosto daquela forma (como na foto). Aí, quando vamos examinar o corpo inteiro da pessoa sem roupa, vemos que a pele da barriga, por exemplo, é superlisinha, com essa diferença que vemos na imagem. Isso a gente encontra diariamente nos exames, então sim, é possível, e não é incomum.
Algumas pessoas podem ter essa diferença mesmo com exposições do dia a dia, afirma a professora da Unisinos. O que determina se isso vai ocorrer ou não é a sensibilidade da pele de cada indivíduo: quanto mais clara, mais sensível. A dermatologista Carolina Casara acrescenta que é comum ver essa diferença no Rio Grande do Sul, pois o tipo de pele mais claro predomina entre os gaúchos, em função da descendência europeia. Como exemplo, ela cita pessoas do Interior, que trabalham a vida inteira nas lavouras, com áreas como mãos, rosto, pescoço e colo muito expostas.
Questionado sobre o assunto por outro dermatologista do Brasil, o autor do artigo, Christian Posch, respondeu que a idosa morava em uma fazenda na zona rural e "não tinha interesse em cosméticos e confirmou que não havia feito nenhum tratamento estético ou peeling no passado". "Tudo o que havia era FPS em seu hidratante", disse o especialista.
Como utilizar corretamente o protetor solar
De acordo com a dermatologista Lia Dantas, existe no Brasil um consenso de proteção solar, estabelecido pela Sociedade Brasileira de Dermatologia, que orienta que as pessoas usem no mínimo um filtro de fator 30. Para quem tem maior sensibilidade na pele, como indivíduos que têm doenças de pigmentação ou melasma, a recomendação é utilizar produtos com proteção maior, acima de 50. Além disso, o produto deve diminuir os danos tanto dos raios UVB quanto dos UVA.
— A nossa legislação não permite que seja vendido ou fabricado protetor solar que não seja para UVA e UVB, mas fora do país existe produto só para UVB. Por isso, é preciso ficar atento ao comprar — comenta.
Em relação à quantidade de produto, Lia cita a regra das colheres de chá. No rosto, por exemplo, é recomendado que as pessoas utilizem uma colher de chá de protetor solar. Para auxiliar na medida, ela simplifica:
— Três dedos. Coloca uma linha de protetor em cada dedo, em uma quantidade boa, e aplica no rosto. Isso é o suficiente para garantir que está com o fator de proteção solar (FPS) do produto que você está usando.
No entanto, passar o filtro de forma correta não aumenta o tempo de proteção. A especialista enfatiza que, para o protetor se manter agindo de forma plena durante todo o tempo de exposição, é necessário reaplicá-lo a cada duas horas, mesmo no dia a dia — ou seja, a reaplicação não é fundamental somente na beira da praia ou piscina —, para garantir que a proteção não seja diminuída.
O filtro também não deve ser utilizado apenas no verão, afirma Lia, pois o UVA não muda durante o dia ou conforme as estações do ano, ao contrário do UVB, que tem um pico entre 10h e 16h, e causa danos mais importantes. Contudo, o acúmulo de UVA também gera prejuízos no decorrer dos anos.
Consequências de não usar protetor
A dermatologista Carolina Casara destaca que, ao deixar alguma área do corpo exposta sem aplicar o protetor, os raios solares UVA e UVB agem diretamente sobre a pele. Essa ação dos raios, a longo prazo, pode tanto danificar a pele do ponto de vista estético, acelerando o envelhecimento e o desenvolvimento de manchas, vasos e outras lesões, quanto dar origem a um câncer de pele — problema que mais preocupa os especialistas.
— Tem inúmeros estudos mostrando que o câncer de pele, principalmente o não melanoma, acaba sendo mais comum nas pessoas que se expõe muito ao sol sem a devida proteção. E todos os estudos que mostram que o protetor solar funciona, leva em conta as condições ideias, que é quando a pessoa passa na quantidade correta e reaplica no tempo certo — afirma a médica.
De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (Inca), o câncer de pele não melanoma é o mais frequente no Brasil, correspondendo a cerca de 30% de todos os tumores malignos registrados no país. Também é o mais comum e de menor mortalidade entre as neoplasias de pele. No entanto, se não tratado de forma adequada e precoce, pode deixar mutilações bem expressivas.
Esse tipo de doença é mais comum em pessoas com mais de 40 anos, sendo raro em crianças e em negros, com exceção dos indivíduos já portadores de enfermidades cutâneas. Pessoas de pele clara, sensíveis à ação dos raios solares, com histórico pessoal ou familiar deste câncer são as mais atingidas, ainda conforme o Inca. Estima-se que, em 2020, mais de 176 mil novos casos de câncer de pele não melanoma tenham sido diagnosticados no país.
— Acontece muito de as pessoas não passarem no pescoço, nas orelhas, no dorso das mãos, no colo, mas que passar em todas as áreas que ficam expostas — ressalta Lia, lembrando que o dano do sol na pele é cumulativo:
— Quanto mais tempo de exposição solar, mais danos na pele. Se a pessoa acumula muito dano de sol durante a vida, aumenta cada vez mais a chance de desenvolver o câncer de pele do tipo não melanoma.
Carolina acrescenta que é preciso ficar atento às lesões cutâneas que não cicatrizam, pois o câncer de pele não melanoma normalmente começam com feridas, que formam uma “crosta” que fica indo e vindo de forma constante. Manchas que mudam de cor e de tamanho rapidamente e lesões avermelhadas ou com mais de uma tonalidade também são sinais de alerta.