A discussão sobre o julgamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que definiu, na quarta-feira (8), como taxativo o rol de procedimentos listados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para a cobertura dos planos de saúde não deve terminar tão cedo. Entidades ligadas a consumidores de planos de saúde e a pacientes que dependem de tratamentos não listados no rol planejam contestar a decisão no Supremo Tribunal Federal (STF). Há também uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) tramitando no STF que pode mudar os rumos mais uma vez.
O entendimento do Superior Tribunal de Justiça é de que o rol é taxativo, passando a valer desta forma. Com isso, a lista da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) contém tudo o que os planos são obrigados a pagar: se não está no rol, não tem cobertura, e as operadoras não são obrigadas a bancar.
A partir dessa mudança, as decisões judiciais devem seguir esse entendimento: o que não está na lista não precisa ser coberto. Com isso, muitos pacientes não conseguirão começar ou dar continuidade a um tratamento não listado com a cobertura do plano de saúde. A decisão do STJ não obriga as demais instâncias a terem que seguir esse entendimento, mas o julgamento serve de orientação para a Justiça.
Há, ainda, porém, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) em tramitação no STF que pode mudar o entendimento do STJ. A ADI 7088 foi protocolada no STF e distribuída ao ministro Luís Roberto Barroso, mas ainda não há decisão.
A ADI foi proposta em março deste ano pela Associação Brasileira de Proteção aos Consumidores de Planos e Sistema de Saúde (Saúde Brasil) contra a Lei 14.307, sancionada no mesmo mês pelo presidente Jair Bolsonaro. A lei fala sobre o fornecimento pelos planos de saúde de medicamentos de uso oral para tratamento de câncer e reforça que nos requisitos estabelecidos para cobertura só entram os medicamentos registrados na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
A Saúde Brasil entrou com a ação contra essa exigência, solicitando que os ministros declarem inconstitucionais o requisito e os trechos da lei que estabelecem prazos para a atualização do rol da ANS. Na petição, a entidade declarou “Quem tem câncer não pode esperar 180 dias para iniciar um tratamento indicado pelo seu médico e quem tem outras necessidades especiais como, por exemplo, o autismo, não pode esperar 270 dias para iniciar seu tratamento".
Com esta lei sancionada por Bolsonaro, o presidente confirmou a decisão do rol ser taxativo antes mesmo do STJ julgar a questão, o que ocorreu na quarta-feira (8). Inclusive, durante o julgamento, três ministros citaram entre as justificativas a lei assinada pelo presidente.
Saiba mais sobre a decisão
O que é o rol da ANS e onde encontrá-lo?
O rol da ANS é uma lista de "procedimentos considerados indispensáveis ao diagnóstico, tratamento e acompanhamento de doenças e eventos em saúde" que os planos de assistência médica do país são obrigados a oferecer. A obrigatoriedade de procedimentos, porém, varia de acordo com o tipo de plano assinado: ambulatorial, hospitalar - com ou sem obstetrícia -, referência ou odontológico.
A lista vigente foi aprovada pela ANS em fevereiro de 2021 e passou a valer em abril daquele mesmo ano. Os mais de 3 mil procedimentos listados podem ser consultados no site da agência. A lista pode ser consultada aqui.
Qual é a diferença entre interpretação taxativa e exemplificativa?
Na interpretação taxativa, os itens descritos no rol são os únicos que podem ser exigidos aos planos. Com isso, o pedido para tratamentos equivalentes pode ser negado, sem chance de reconhecimento pela via judicial.
Já na exemplificativa, a lista de procedimentos cobertos pelos planos contém alguns itens, mas as operadoras também devem atender outros que tenham as mesmas finalidades, se houver justificativa clínica do médico responsável. Isso permitia que famílias recorressem à Justiça para que o direito à cobertura pelo plano fosse garantido.
Quais procedimentos perdem a cobertura dos planos de saúde?
O rol da ANS é considerado básico porque não contempla, por exemplo, medicamentos aprovados recentemente, cirurgias com técnicas de robótica, alguns tipos de quimioterapia oral e de radioterapia. Como o rol é taxativo, os planos ficam isentos da obrigação de bancar esses tratamentos.
A ANS também limita o número de sessões de algumas terapias para pessoas com autismo e diversos tipos de deficiência. Pacientes que precisam de mais sessões do que as estipuladas para obter resultado com essas terapias conseguiam, no atual modelo, a aprovação de pagamento pelo plano de saúde.
Exceções poderão ocorrer?
Para o STJ, a lista, embora taxativa, admite algumas exceções, como terapias recomendadas expressamente pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), tratamentos para câncer e medicações "off-label" (usadas com prescrição médica para tratamentos que não constam na bula daquela medicação). Se não houver um substituto terapêutico ou depois que os procedimento incluídos na lista da ANS forem esgotados, pode haver cobertura de tratamento fora do rol, indicado pelo médico ou odontólogo assistente.
Para isso, no entanto, é preciso que: a incorporação do tratamento à lista da ANS não tenha sido indeferida expressamente, haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências, haja recomendação de órgãos técnicos de renome nacional, como a Conitec e a Natijus, e estrangeiros. Seja, ainda, realizado, quando possível, diálogo entre magistrados e especialistas, incluindo a comissão responsável por atualizar a lista da ANS, para tratar da ausência desse tratamento no rol de procedimentos.
O que diz a ANS?
A ANS aponta que a taxatividade do rol é imposta por lei desde 2000. A agência destacou, ao Estadão, que, por se tratar de "medida extremamente sensível no mercado de planos de saúde", vem aprimorando o rito de atualização da lista. "Tornando-o mais acessível e célere, bem como garantindo extensa participação social e primando pela segurança dos procedimentos e eventos em saúde incorporados, com base no que há de mais moderno em ATS (avaliação de tecnologias em saúde)."
O que dizem as operadoras de planos de saúde?
As operadoras pediam pelo rol taxativo por mais segurança jurídica e porque a lista é usada para definir o preço dos planos. Segundo a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), "formular o preço de um produto sem limite de cobertura, que compreenda todo e qualquer procedimento, medicamento e tratamento existente, pode tornar inviável o acesso a um plano de saúde e colocar a continuidade da saúde suplementar no Brasil em xeque".