A proposta é: "reprogramar" geneticamente as células de defesa do paciente para que elas reconheçam e combatam alguns tipos de câncer de sangue, como linfoma e leucemia linfoide aguda. Essa é a principal linha de pesquisa do Núcleo de Terapia Celular Avançada (Nucel), na Cidade Universitária (SP), e do Núcleo de Terapia Avançada (Nutera), em Ribeirão Preto (SP).
O Nucel foi inaugurado nesta terça-feira (14), em uma cerimônia com presença do governador Rodrigo Garcia (PSDB) na Universidade de São Paulo (USP). O programa estadual de terapias avançadas celular e gênica para o tratamento de doenças oncológicas e genéticas é desenvolvido pelo Instituto Butantan, a USP, o Hemocentro de Ribeirão Preto, o HC de São Paulo, o HC de Campinas, e supervisão da Secretaria de Ciência, Pesquisa e Desenvolvimento em Saúde do Estado.
— O estado que foi o inovador na vacina continuará sendo inovador agora no combate ao câncer — afirmou Garcia durante o evento.
A terapia celular, ou uso de células do sistema imunológico do próprio paciente para tratar o câncer, já é utilizada em vários países. O desafio é superar os custos de produção que podem chegar a cerca de R$ 2 milhões por aplicação em cada paciente. Dimas Covas, presidente do Instituto Butantan e hematologista que lidera o estudo, afirma que os dois laboratórios pretendem ampliar o acesso ao tratamento a ponto de que ele seja oferecido no Sistema Único de Saúde (SUS). O potencial de tratamento das duas fábricas é de 300 pacientes por ano.
— É uma técnica que apresenta baixa toxicidade e possibilidade de cura de algumas dessas doenças. Essa é a grande importância. Será o tratamento do futuro. Esse portfólio vai se expandir para um grande número de cânceres — afirmou em entrevista coletiva.
A "baixa toxicidade" citada por Dimas se refere aos efeitos colaterais que são da destruição do tumor e, que segundo o especialista, são de curta duração e controláveis clinicamente.
Especialistas calculam que, no Brasil, cerca de 2 mil pacientes, nos serviços públicos ou privados, podem ser beneficiados com esse tratamento por ano.
Tratamento está em fase experimental no Brasil
A terapia celular ainda está em fase experimental no Brasil. Até agora, sete pacientes com câncer em estágio avançado e sem alternativa de terapia estão sendo submetidos ao tratamento por decisão médica. Essa fase ainda não influencia a validação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
A expectativa é de que os estudos clínicos da fase 1, que atestam a segurança do tratamento, comecem em outubro deste ano. Serão analisados 30 pacientes com câncer de sangue, mais especificamente, linfoma não Hodgkin de células B, um dos tipos mais comuns. Os estudos clínicos serão realizados nos hospitais das Clínicas de Campinas, Ribeirão Preto e São Paulo.
Em 2019, o servidor público aposentado Vamberto Luiz de Castro, 62 anos, lutava contra um linfoma quando buscou o Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (HCRP). Em um quadro terminal, Vamberto aceitou participar do tratamento experimental de células CAR-T pela USP. Foi o primeiro da América Latina a passar pelo tratamento. Menos de 20 dias depois, apresentou remissão da doença. O desfecho do caso não pôde ser acompanhado porque o homem morreu em um acidente doméstico.
A tecnologia chamada CAR-T Cell (sigla para receptor quimérico de antígeno, em português) é um tipo de imunoterapia. Ela utiliza linfócitos T, células do sistema imunológico do organismo. O tratamento consiste em retirar, isolar e reprogramar os linfócitos T para conseguirem identificar células do câncer. Em seguida, eles são colocados de volta no organismo do paciente. Nesse retorno, as células de defesa modificadas geneticamente voltam "mais fortes" para eliminar as células. Dimas avalia que é o tratamento mais avançado disponível para o tratamento de leucemias e linfomas agudos de células B.