A reunião desta sexta-feira (3) entre o governador Ranolfo Vieira Júnior, os hospitais prestadores de serviço e o Ministério Público deverá ser uma das derradeiras tentativas de acordo para resolver a crise do IPE Saúde antes de uma possível judicialização do caso. A avaliação é da promotora de Justiça Roberta Brenner de Moraes, que conduz inquérito civil desde 2021 com o objetivo de remodelar técnica e financeiramente o plano de saúde dos servidores estaduais.
A crise opõe, de um lado, a nova gestão do IPE Saúde, representada pelo presidente Bruno Jatene, que colocou em vigor no no dia 26 de maio três novas tabelas de remuneração dos hospitais pelos serviços prestados, o que reduzirá a arrecadação dos hospitais. A mais relevantes delas é a nova referência de preços pelo uso de medicamentos. Nas contas do IPE Saúde, a perda será de R$ 60 milhões ao ano, enquanto os hospitais citam queda de R$ 244 milhões. De outro lado, as federações que representam as instituições de saúde dizem arcar historicamente com uma relação prejudicial e que a tabela de medicamentos, com valores considerados acima dos de mercado, era responsável por equilibrar a relação e compensar as defasagens de valores pagos pelo plano em outros serviços, como taxas de internações. Os hospitais anunciaram que, caso se mantenha a nova tabela de medicamentos, serão suspensos os atendimentos eletivos, desde consultas até cirurgias, aos segurados do IPE Saúde a partir da próxima segunda-feira (6).
— O inquérito civil visa a reestruturação do IPE e está alcançando isso com a atual gestão, com busca por transparência, legalidade e equilíbrio, sem compensações cruzadas que prejudicam o segurado. O segurado, muitas vezes, não consegue uma consulta porque o valor previsto pela tabela do IPE Saúde é muito baixo, mas essa operação pode estar sendo compensada com os medicamentos. Não sendo possível uma resolução extrajudicial, vamos levar a situação já apurada ao Judiciário em uma ação civil pública — afirma a promotora Roberta, que estará na reunião desta sexta-feira no Palácio Piratini junto dos hospitais e do governador.
Nessa ação civil pública, caso se concretize, os eventuais denunciados seriam o próprio Estado, o IPE Saúde e também prestadores de serviço.
A análise da promotora é de que a tabela de medicamentos substituída, que continha “sobrepreços” para fazer compensação cruzada por outras operações de saúde subprecificadas, “fere o princípio da transparência, além de impossibilitar o controle público” sobre a aplicação dos recursos do IPE Saúde.
A tabela anterior para remunerar pelos medicamentos chamava-se Brasíndice e, em comparação com a planilha atual, possuía itens com diferenças significativas, alerta a promotora. Um caso destacado em lista pelo MP é o medicamento sukhi, que tinha preço de R$ 1.664,86 pela tabela anterior e, agora, pela nova referência, custa ao IPE Saúde a quantia de R$ 53,05. Já o seletiv saía por R$ 3,2 mil e, desde a publicação da nova precificação, custa R$ 708,48. Um terceiro exemplo: o taxol baixou de R$ 8,2 mil para R$ 1,6mil.
— Reconheço que existe a compensação, mas essa não é a forma legal de equilibrar as defasagens de preços de outros itens. Há graves dificuldades e, de forma nenhuma, desejamos inviabilizar os prestadores. Há necessidade de resolver o passivo do IPE Saúde com os hospitais, mas também de estancar a situação deficitária da autarquia — afirma.
Para Roberta, a atual crise do IPE Saúde é severa e, caso nada seja feito, o plano de saúde dos servidores estaduais, que atende cerca de 1 milhão de pessoas, ficará “inviabilizado em breve”.
Relembre
A história da reestruturação do IPE Saúde deu um de seus primeiros passos em setembro de 2021, quando a promotora enviou um ofício ao então governador Eduardo Leite alertando para a necessidade de reestruturação. O documento cita um estudo da Secretaria Estadual da Fazenda que apontou “sobrepreço nos ressarcimentos”.
“A partir de dados concretos, foi possível constatar que o IPE Saúde efetua o ressarcimento dos prestadores de serviço com valores muito acima dos de mercado, em contrariedade à legislação”, diz trecho do ofício.
A promotora diz que, após a comunicação, o Estado adotou postura inclinada à reestruturação e correção dos problemas. Um acordo tem se mostrado difícil, com os hospitais afirmando que terão prejuízo na operação com o IPE Saúde diante dos novos preços pagos pelos medicamentos. As instituições justificam que tiveram de tomar empréstimos para sustentar suas operações e reclamam que o plano de saúde não criou um calendário de pagamento para sanar a dívida vencida de R$ 475 milhões por serviços prestados - esse passivo era de R$ 600 milhões até terça-feira (31), quando o IPE Saúde fez um aporte extraordinário de R$ 150 milhões destinado, em maior parte, ao abatimento. Ainda assim, a promotora acredita que será possível chegar a um acordo que evite a judicialização e riscos de desassistência aos usuários do IPE Saúde.
— Tenho expectativa de que se chegue a um acordo extrajudicial, em uma composição que torne o plano viável para a autarquia, para os prestadores e para o segurado — diz Roberta.
Também irá comparecer à reunião desta sexta-feira o procurador-geral de Justiça (PGJ) Marcelo Dornelles, chefe do Ministério Público do Rio Grande do Sul, que está auxiliando na tentativa de acordo. Ele foi procurado pelas federações de hospitais em busca de intermediação da crise depois que essas entidades consideraram esgotada a relação com Jatene, presidente do IPE Saúde que assumiu em março com a missão de reestruturar o plano, focado primeiramente no corte de despesas.