A publicação de novas tabelas de remuneração para pagar hospitais e clínicas pelos serviços prestados aos segurados do IPE Saúde deflagrou outro momento de crise. Nesta sexta-feira (27), um dia após a oficialização das referências, instituições de saúde manifestaram-se em nota dizendo terem recebido as medidas com “estupefação” e “incredulidade”.
Uma reunião entre as entidades representativas foi convocada para a próxima terça-feira (31) para a adoção de “decisão coletiva”. Nos bastidores, volta-se a comentar a hipótese de descredenciamento, ou seja, rompimento com o IPE Saúde, o que prejudicaria cerca de 1 milhão de usuários. A ameaça já havia sido feita em março, quando a crise eclodiu. A tensão reside no fato de que, além de uma dívida persistente, a atualização de valores irá representar diminuição de arrecadação.
“Análise preliminar das medidas anunciadas indica que a maioria das instituições terá de pagar para continuar prestando seus serviços à autarquia estadual, o que, obviamente, constitui-se em uma afronta ao senso comum e um injustificável ataque a hospitais e clínicas que, ao longo de décadas, vêm cumprindo sua missão institucional de forma exemplar”, diz trecho da nota, assinada em conjunto pela Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes, Religiosos e Filantrópicos do RS e a Federação dos Hospitais e Estabelecimentos de Serviços de Saúde do RS (Fehosul).
Por enquanto, os líderes das entidades não fizeram comentários públicos nem concederam entrevistas, centrando forças na nota conjunta.
As três novas tabelas do IPE Saúde, no cotejo entre acréscimos e perdas, significam diminuição anual de receita de R$ 60 milhões para todos os hospitais prestadores de serviço credenciados, o que representa 3,5% do total que eles recebem do plano médico dos servidores do Estado. Já para as clínicas, a queda também será de R$ 60 milhões a cada 12 meses, com a diferença de que, nesta categoria, a fatia de redução representa 10% dos valores que recebem do IPE Saúde. Os cálculos são da própria autarquia.
As mudanças
O ponto mais sensível é a nova tabela de remuneração por uso de medicamentos, que revisou os preços de 437 itens, causando redução média de 20,76%. Esse aspecto representa queda acentuada nas receitas de instituições, já que as cifras dos fármacos estavam acima dos valores de mercado, inclusive com apontamentos do Ministério Público, e foram corrigidas para baixo. Tamanho é o impacto da precificação dos medicamentos que a entrada em vigor dessa tabela chegou a ser adiada por duas vezes, numa tentativa de aparar arestas com as instituições de saúde.
Por outro lado, houve reajuste de 15% de forma linear para todas as diárias de internações. A terceira mudança foi a majoração em mais de 100% da taxa hospitalar em procedimentos de infusão para tratamentos oncológicos. No caso das clínicas, essa mesma taxa teve aumento de 20%.
Apesar da correção simultânea de três tabelas, com duas delas tendo acréscimos, não foi possível deixar o jogo no zero a zero. A referência de remuneração pelos medicamentos pesa mais na conta e, no final, haverá perda de receita. A situação ocasiona impacto nos credenciados, que somam R$ 600 milhões a receber do IPE Saúde que já extrapolaram o prazo contratual de 60 dias para o pagamento. Considerando o que ainda não cruzou essa linha temporal, o plano tem passivo maior com os prestadores de serviço.
“Ponto crucial nas negociações referia-se ao avultado passivo financeiro do IPE Saúde para com os prestadores de serviços, hoje identificado em R$ 1,150 bilhão em notas/faturas apresentadas e não pagas, algumas delas há 195 dias, referentes a serviços assistenciais já integralmente fornecidos, que obrigam as instituições a recorrerem a empréstimos bancários, com juros elevados, para manter a regularidade na prestação dos serviços. Até o momento, não foi apresentado cronograma de liquidação deste escandaloso passivo financeiro, que está comprometendo a higidez econômica e a sustentabilidade de hospitais e clínicas”, diz outro duro trecho da nota das entidades.
Metodologia com preços de mercado, diz IPE Saúde
Presidente do IPE Saúde, Bruno Jatene reconhece o impacto, mas diz que a medida está dentro das referências usadas até mesmo pelo setor privado.
— Traz um baque forte para hospitais e clínicas, mas a metodologia (para a tabela de medicamentos) utiliza os preços de mercado. Não estamos inventando a roda. A maior parte das operadoras privadas de planos de saúde adotou isso muito tempo atrás. Não estamos incompatíveis com o que as operadoras em geral fazem e pagamos valores muito acima do que os do SUS. É um passo de equilíbrio do sistema de saúde em geral — afirma Jatene.
Ele assumiu o cargo em março com a missão de reestruturar o IPE Saúde, que passa por momento delicado nas finanças. No primeiro momento, ele mira a redução de despesas como fundamental para equilibrar o caixa do plano.
As entidades hospitalares manifestaram que os seus técnicos trabalharam “exaustivamente”, em conjunto com os do IPE Saúde, para buscar soluções e reclamam que as decisões do plano do Estado teriam sido diferentes de consensos construídos. Os prestadores consideraram o anúncio do Estado unilateral, enquanto Jatene valoriza as diversas reuniões de debate realizadas em grupo de trabalho.
Em outra iniciativa, junto das novas tabelas, o IPE Saúde anunciou que irá destinar uma parcela extraordinária de R$ 150 milhões, no dia 31 de maio, para quitar contas com os credenciados. É de praxe, diz Jatene, que o plano faça dois pagamentos mensais aos conveniados. Em maio, eles já haviam sido realizados, sendo o que o próximo será um terceiro, somando a quantia de R$ 350 milhões para o mês.
— É um recurso importante, nos mobilizamos dentro do Estado para obtê-lo, com apoio da Secretaria da Fazenda — valoriza Jatene.
Confira a íntegra da nota das entidades
A Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes, Religiosos e Filantrópicos do RS e a Fehosul (Federação dos Hospitais e Estabelecimentos de Serviços de Saúde do Rio Grande do Sul) vêm, por meio desta, esclarecer pontos importantes após a publicação de portarias no Diário Oficial Estadual pelo IPE Saúde, nesta quinta-feira (26).
- As entidades representativas da totalidade dos hospitais, clínicas e laboratórios, que subscrevem, receberam com estupefação e incredulidade as medidas anunciadas pela presidência do IPE Saúde, e dadas a conhecer na data de ontem (26/05);
- Ao longo de mais de 70 dias, técnicos das entidades trabalharam exaustivamente, ao lado de técnicos do IPE Saúde, em grupo de trabalho constituído para encontrar soluções técnicas que pudessem viabilizar econômico-financeiramente a autarquia, manter a sustentabilidade assistencial de hospitais e clínicas e entregar uma assistência de qualidade aos mais de 1 milhão de beneficiários do plano de saúde;
- Reuniões sucessivas foram realizadas, também, entre os dirigentes do IPE Saúde e das entidades representativas, com a mesma finalidade, a última delas 24 horas antes do anúncio unilateral das medidas, com encaminhamentos recíprocos ajustados consensualmente, muito diferentes do que foi dado a conhecer;
- Ponto crucial nas negociações referia-se ao avultado passivo financeiro do IPE Saúde para com os prestadores de serviços, hoje identificado em R$ 1,150 bilhão em notas/faturas apresentadas e não pagas, algumas delas há 195 dias, referentes a serviços assistenciais já integralmente fornecidos, que obrigam as instituições a recorrerem a empréstimos bancários, com juros elevados, para manter a regularidade na prestação dos serviços. Até o momento, não foi apresentado cronograma de liquidação deste escandaloso passivo financeiro, que está comprometendo a higidez econômica e a sustentabilidade de hospitais e clínicas;
- Análise preliminar das medidas anunciadas indica que a maioria das instituições terá de pagar para continuar prestando seus serviços à autarquia estadual, o que, obviamente, constitui-se em uma afronta ao senso comum e um injustificável ataque a hospitais e clínicas que, ao longo de décadas, vêm cumprindo sua missão institucional de forma exemplar;
- Visando analisar esta dramática situação, as entidades representativas convocaram uma reunião extraordinária de seus filiados e representados, a realizar-se no início da próxima semana, oportunidade em que será adotada uma decisão coletiva das instituições credenciadas ao IPE Saúde.