A crise na relação entre os prestadores de serviços hospitalares e o IPE Saúde abriu, nesta terça-feira (31), uma ameaça formal de ruptura que poderá impactar a vida de cerca de 1 milhão de usuários do plano dos servidores estaduais do Rio Grande do Sul.
Hospitais filantrópicos, beneficentes e santas casas decidiram, em conjunto, dar prazo de 24 horas para o governo estadual suspender três novas tabelas de remuneração usadas pelo IPE Saúde para pagar os prestadores de serviços. Os novos valores, na combinação entre eles, representam queda de receita para as instituições.
A notificação foi entregue no início da tarde desta terça-feira (31) na Casa Civil do Palácio Piratini, endereçada ao governador Ranolfo Vieira Júnior. Caso as normas não estejam anuladas no prazo, cerca de 40 hospitais do Estado irão suspender o atendimento eletivo a segurados do IPE Saúde. Com isso, as quatro dezenas de instituições que fizeram o acordo, algumas delas de grande porte, não irão mais aceitar consultas e cirurgias eletivas para conveniados do IPE Saúde. Serão mantidos apenas os atendimentos de situações de emergência, com risco iminente de vida, e de pacientes que já estavam em tratamento para doenças crônicas.
A decisão foi tomada em reunião na manhã desta terça-feira, em Porto Alegre, coordenada pela Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes, Religiosos e Filantrópicos do RS e pela Federação dos Hospitais e Estabelecimentos de Serviços de Saúde no RS (Fehosul). A medida é uma resposta à direção do IPE Saúde, que, no dia 26 de maio, colocou em vigor três novas tabelas de remuneração para pagamento dos prestadores de serviço pelo uso de medicamentos, pelas diárias de internações e taxas de infusão para tratamentos oncológicos. As duas últimas foram corrigidas para cima, mas o peso maior é da nova tabela de medicamentos, que sofreu revisão em 437 itens, com redução média nos valores de 20,76%.
No cotejo entre as três novas tabelas, conforme cálculos do próprio IPE Saúde, a queda de receita anual para os hospitais credenciados será de R$ 60 milhões. A situação, somada a uma dívida vencida do IPE Saúde de R$ 600 milhões com os prestadores de serviço, levou à decisão de rejeitar atendimento caso as exigências não sejam observadas.
A condição das entidades para evitar desassistência, além da anulação das portarias do IPE Saúde que trouxeram as novas tabelas de remunerações, é discutir o equilíbrio econômico-financeiro na relação.
– As duas entidades representam a totalidade dos prestadores de serviço do IPE Saúde, incluindo 315 hospitais, clínicas e laboratórios credenciados, com exceção dos médicos, que são representados por conselhos, sindicatos e associações. Vamos pedir ao governador que revogue em 24 horas as portarias que tratam das remunerações, sob pena de suspensão dos atendimentos eletivos. Na 25ª hora após o comunicado, estará suspenso o atendimento. Estamos pedindo que o governador se interesse diretamente pelo assunto para evitar desassistência a 1 milhão de usuários – afirma Cláudio José Allgayer, presidente da Fehosul.
Apesar das dimensões representativas, a suspensão do atendimento eletivo, se confirmado em 24 horas, começará somente por 40 hospitais que participaram da reunião desta terça-feira, não atingindo as demais instituições nem as clínicas e laboratórios.
As entidades afirmam que, historicamente, suportaram referências de preços defasadas em diversos itens da relação comercial com o IPE Saúde, alegando que a remuneração pelos medicamentos era o que cobria o desequilíbrio. Já a direção do plano de saúde do governo estadual diz que as remunerações pelos medicamentos continham preços acima dos de mercado, inclusive com apontamentos do Ministério Público. A autarquia afirma que os preços atualizados estão de acordo com os de mercado e com os praticados pelos planos de saúde privados.
A decisão, embora implique em risco real de desassistência aos segurados, foi menos drástica do que o descredenciamento. Nessa hipótese, que é aventada pelas entidades representativas dos hospitais desde março, os contratos com o IPE Saúde entrariam em processo de rompimento, e os atendimentos de toda ordem seriam cancelados.
– Vamos solicitar que o governador reative em alto nível um grupo de trabalho para fazer uma negociação séria tentando casar as pretensões do governo e dos hospitais – diz Allgayer, indicando desgaste na relação com a direção do IPE Saúde.
Veja a lista de instituições que subscrevem a notificação entregue ao governo estadual:
Hospital Vida e Saúde (Santa Rosa), Hospital Divina Providência (Porto Alegre), Hospital de Caridade de Erechim (Erechim), Santa Casa (Porto Alegre), Hospital de Caridade e Beneficência (Cachoeira do Sul), Hospital Sapiranga (Sapiranga), Hospital de Caridade de Carazinho (Carazinho), Santa Casa (Dom Pedrito), Hospital Santa Lúcia (Cruz Alta), Hospital Veranópolis (Veranópolis), Hospital Dr. Homero (Sobradinho), Hospital Santa Terezinha (Encantado), Hospital Regina (Novo Hamburgo), Clinicamp (Pelotas), Hospital Leonilda Brunet (Ilópolis), Hospital de Clínicas (Passo Fundo), Hospital São Vicente de Paulo (Passo Fundo), Santa Casa (Bagé), Hospital Astrogildo de Azevedo (Santa Maria), Hospital Tacchini (Bento Gonçalves), Hospital São Lucas da PUCRS (Porto Alegre), Hospital Ivan Goulart (São Borja), Hospital Pompéia (Caxias do Sul), Beneficência Portuguesa (Pelotas), Hospital Virvi Ramos (Caxias do Sul), Hospital Moinhos de Vento (Porto Alegre), Hospital Mãe de Deus (Porto Alegre) e Hospital Ernesto Dornelles (Porto Alegre).
Na noite desta terça-feira, o governo do Estado divulgou um comunicado sobre a situação. Veja a íntegra do documento:
"COMUNICADO SOBRE IPE SAÚDE
O governo do Estado agendou reunião com a federação dos hospitais e seus representantes para a próxima sexta-feira (3/6), às 10h, no Palácio Piratini, para avançar na discussão sobre a viabilidade econômica-financeira do IPE Saúde. O governo espera que os atendimentos aos beneficiários do IPE Saúde sigam normalmente até lá.
A nova tabela de medicamentos adotada pelo IPE Saúde, foco de contestação por hospitais, é condizente com as práticas de mercado. O instituto ajustou a valores praticados por outras operadoras. A adoção da tabela própria de medicamentos ocorreu em função de constatação do Ministério Público Estadual de que o IPE pagava mais por determinados itens.
Essa medida e outras que estão em andamento são necessárias para o reequilíbrio financeiro do instituto, que busca ações com foco na redução do passivo e na qualificação do atendimento aos usuários."