Mães e pais têm enfrentado dificuldades para encontrar, nas farmácias, ao longo das últimas semanas, os antibióticos de uso infantil mais recorrente. Para driblar a ausência desses itens, médicos acabam prescrevendo remédios que não seriam os mais indicados para tratar infecções respiratórias, por exemplo. O problema é verificado no Rio Grande do Sul e também em outros Estados.
O Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma) admite falta “momentânea” de antibióticos, situação que já estaria sendo regularizada. A maioria dos fabricantes, entretanto, estaria com a produção e a distribuição normais. “Algumas empresas relataram expressivo aumento de demanda por determinados antibióticos e escassez de insumos farmacêuticos ativos (IFA) importados usados em sua composição, mas informaram que estão aumentando a produção e buscando novos fornecedores para atender o mercado”, explicou o Sindusfarma em nota recente.
Por outro lado, a Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma) alega não ter recebido notificações de seus integrantes, cerca de 10 mil lojas. GZH questionou as assessorias de imprensa de três grandes redes que operam no Rio Grande do Sul — Panvel, Farmácias São João e Raia Drogasil —, que não comentaram o assunto.
A reportagem ligou para 15 farmácias, das redes citadas acima e de outras, na Capital e na Região Metropolitana, à procura de amoxicilina de uso pediátrico, medicamento comum para combater infecções bacterianas, e ouviu, na quase totalidade dos contatos, explicações referentes a falta, baixo estoque e dificuldade para realizar encomendas com distribuidores.
Em Caxias do Sul, a reportagem contatou 10 farmácias na manhã desta sexta-feira (13) para verificar a situação. A falta também é registrada em redes de farmácia e na rede municipal onde os remédios são distribuídos aos pacientes. Entre os antibióticos, a amoxicilina com clavulanato é a que está mais difícil de encontrar. Dos 10 estabelecimentos, apenas uma farmácia na Rua Luiz Michielon, no bairro Cruzeiro, ainda tinha poucas unidades da medicação. A azitromicina líquida também está em falta em algumas farmácias. A rede municipal tem algumas doses desses antibióticos nas unidades básicas de saúde (UBSs), mas não o suficiente para repor a medicação. De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), a estimativa é que o remédio chegue nas próximas semanas, mas não há data prevista.
Sérgio Amantéa, presidente da Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul, tem atendido famílias que, após as consultas, telefonam ou mandam mensagens perguntando de que forma substituir o medicamento receitado que não foi encontrado em diversas lojas.
— Hoje, provavelmente, mais de dois terços das prescrições de antibiótico em pediatria passam por amoxicilina, amoxacilina com clavulanato, cefalosporina de segunda geração. São a primeira escolha para infecções da via aérea superior, como sinusite, otite e amigdalite, a primeira linha para infecções da via área inferior, caso das broncopneumonias, e a primeira linha para as infecções do trato urinário. Também são opção de tratamento para infecções de pele — enumera Amantéa. — Você não vai encontrar nenhuma no mercado — constata.
Neste cenário, uma pneumonia acabará tendo de ser combatida com drogas alternativas. Em algumas situações, o quadro do paciente poderá demorar a ser resolvido. A situação se complica com o componente sazonal, com mais crianças adoecendo nos meses de frio.
— Pais já me ligaram da farmácia, aí eu pergunto o que tem disponível para ajustar a receita. A prescrição online facilita muito. Mas o paciente da rede pública, sem esse recurso, talvez tenha mais dificuldade para trocar uma receita. Acho que a população carente vai sofrer mais — comenta Amantéa.
O pediatra Benjamin Roitman dá depoimento semelhante:
— Ponho o nome genérico, listo vários. Não tem. Em uma receita, ontem, coloquei três opções.
A demora para localizar e comprar a medicação pode, eventualmente, agravar o quadro.
— Quanto antes começar a tratar, melhor. Se atrasar um dia, dois dias, pode piorar. Uma pneumonia pode precisar de hospitalização — diz Roitman.
Na rede pública, a Secretaria Estadual da Saúde (SES) alegou não dispor de informações a respeito do tema. Em Porto Alegre, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) observa atraso na entrega de determinados itens pelos fornecedores, “mas sem gerar o desabastecimento pleno no momento”.
Situação nos hospitais
Dois hospitais e um complexo hospitalar da Capital foram consultados a respeito de eventual falta de antibióticos infantis ou dificuldade para compra. O Hospital de Clínicas e o Moinhos de Vento não relataram problemas. A Santa Casa informou que os pacientes não foram impactados com a carência de produtos essenciais, mas “acompanha com atenção o momento delicado no mercado com tais desabastecimentos”. A amoxicilina para crianças “não aparece ainda na lista de preocupações”, conforme a assessoria de imprensa.
O Sindicato dos Hospitais e Clínicas de Porto Alegre (Sindhospa) tem monitorado cerca de 30 itens com abastecimento prejudicado que interferem no dia a dia da assistência, como soro e ampolas de dipirona (analgésico), amicacina (antibiótico) e atropina (essencial para parada cardiorrespiratória). Quanto à amoxicilina, entre outros antibióticos, “não temos relato de problemas de abastecimento nos hospitais até o momento. Pode haver, no entanto, alguma indisponibilidade para o varejo, pelo que temos conhecimento”, disse em nota.
No mês passado, devido ao risco de falta, a SMS orientou unidades de saúde a priorizarem a dipirona injetável para casos de inviabilidade de administração por via oral. A dificuldade para adquirir esse medicamento também vem ocorrendo em outros Estados.
Colaborou Aline Ecker