Um grupo de mães fez uma manifestação em frente ao Tribunal de Justiça (TJRS), na Avenida Borges de Medeiros, em Porto Alegre, na manhã desta quarta-feira (27). O objetivo era chamar a atenção para o julgamento sobre a lista de procedimentos de cobertura obrigatória por planos de saúde no Brasil, suspenso em fevereiro pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). A decisão do STJ poderá definir o quanto os planos de saúde são obrigados a cobrir tratamentos e procedimentos.
O movimento é nacional e ocorre devido à expectativa da retomada, nesta quarta, do julgamento interrompido em fevereiro por pedido de vista. O STJ informou, contudo, que ainda não há previsão para análise.
O TJ foi escolhido para a manifestação por ser a representação da Justiça no Rio Grande do Sul. Vestidas de preto e agitando balões da mesma cor, elas levantavam uma faixa que dizia “o lucro dos convênios não pode estar acima do direito à saúde”.
A discussão judicial envolve o chamado rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), uma lista de procedimentos elaborada pela agência reguladora com os procedimentos que precisam ser cobertos pelas operadoras de saúde. Esse rol pode ser exemplificativo, em que os itens da lista servem apenas como orientação dos atendimentos a serem cobertos, ou taxativo, em que a cobertura ficaria restrita ao que consta na relação. O julgamento pode definir se os tratamentos e remédios cobertos pelos planos deve ser seguir estritamente a lista ou não, podendo impedir tratamentos futuros ou interromper atendimentos em andamento.
Atualmente, o tema divide o próprio judiciário, incluindo o STJ. Isso porque os planos têm sido obrigados pela Justiça a oferecer tratamentos específicos para pessoas com autismo e outras condições. As decisões ocorrem após os pacientes ou familiares ingressarem com ações solicitando a cobertura das operadoras a tratamentos que muitas vezes não constam na lista da ANS. São tratamentos caros e contínuos, pelos quais as famílias não conseguem pagar e que permitem o desenvolvimento, a qualidade de vida e, em alguns casos, a sobrevivência dos pacientes.
A maioria das participantes da manifestação é de mães de crianças atípicas, a maioria autistas.
– Não está na pauta ainda, mas essa votação pode acontecer hoje. É preciso chamar a atenção para esse assunto, não só dos envolvidos, mas da sociedade como um todo. A maioria das mães aqui tem liminares para que os filhos consigam receber algum tipo de assistência – explica a assistente terapêutica Andressa Preuss, 40 anos, mãe do Davi, 4, que tem autismo e faz diferentes terapias especializadas.
As mães argumentam que há uma insegurança judicial no assunto, e que existem interpretações diferentes dos processos, dependendo de onde é julgado. Elas defendem que o rol de procedimentos da ANS não absorve toda a demanda necessária para os tratamentos.
– Nós entendemos que, se houver restrição, serão dois direitos violadas: o direito à saúde e o direito à Justiça. Vai gerar prejuízo para a toda a sociedade e para uma geração inteira de crianças – defende Aline Kerber, presidente da Associação Mães e Pais pela Democracia.
Mãe do Caio, 14 anos, a jornalista Flávia de Sá reforça os prejuízos que as famílias podem enfrentar com uma decisão desfavorável:
-A mãe é o primeiro colo e o último soldado. O Dia das Mães está chegando e os planos de saúde farão propaganda de maternidade, e nos estamos aqui sozinhas. A incerteza gera insegurança, e muitas famílias se sentem discriminadas quando não há autorização.
O que dizem os planos
Em nota, a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), que representa as operadoras, disse que o rol de procedimentos da ANS é de natureza taxativa desde a criação e que atualmente contempla mais de 3 mil itens. A entidade diz ainda que a lista pode ser atualizada e ampliada a qualquer momento, a partir de análises técnicas de novos procedimentos.
Segundo a entidade, a adoção de um rol exemplificativo poderá acarretar em coberturas não previstas, muitas de alto custo. O entendimento é de que isso "desorganizaria o setor e ameaçaria a sustentabilidade da saúde suplementar, com aumento da judicialização, redução da oferta de planos, risco de quebra de operadoras e desassistência dos pacientes". A nota acrescenta ainda que "a imprevisibilidade de coberturas impediria a realização dos devidos cálculos para estipular o valor das mensalidades, projetar os riscos e realizar reservas financeiras necessárias para assegurar a solidez das companhias, tão importante para a continuidade dos tratamentos".
Para entender
- Taxativo: rol de procedimento deve ser seguido à risca, sem a obrigação de cobrir mais nada do que listado pela ANS. Sem possibilidade de judicialização.
- Exemplificativo: podendo ser extrapolado, servindo apenas de referência para a cobertura obrigatória. Em caso de negativa pelo plano, a judicialização é possível.
- Na prática, ao se tornar taxativa, a mudança no caráter da lista daria às operadoras de planos de saúde o direito de negar aos pacientes tratamentos que ainda não façam parte da lista da ANS, mesmo que tenham sido prescritos por médicos e tenham comprovada eficácia.
- A decisão pode alterar o entendimento histórico dos Tribunais do país, que há mais de 20 anos são predominantemente favoráveis a uma interpretação mais ampla, considerando a lista de procedimentos como referência mínima ou exemplificativa.
O julgamento
O julgamento teve início em setembro de 2021, porque a terceira e a quarta turma do órgão divergem sobre o tema, mas foi suspenso quando a ministra Nancy Andrighi, que defende que o rol sirva apenas de exemplificação, pediu para analisar melhor o processo.
Antes disso, de acordo com o STJ, o ministro Luis Felipe Salomão, que é o relator dos recursos, já havia votado para que os planos cubram apenas aquilo que está na ANS (taxativo), defendendo que a lista tem como objetivo proteger os beneficiários, “assegurando a eficácia das novas tecnologias adotadas na área da saúde, a pertinência dos procedimentos médicos e a avaliação dos impactos financeiros para o setor”.
A discussão foi retomada, pela segunda vez, em fevereiro, e novamente foi suspensa após pedido de vista do ministro Villas Bôas Cueva. Ele será retomado, porém sem data definida.