Em meio à alta vacinação e após o pico da variante Ômicron, a covid-19 perde força, mas ainda causa grande impacto na saúde pública. A despeito da normalização da doença, na última semana, quase 200 brasileiros morreram por dia, em média, devido ao coronavírus, sendo oito do Rio Grande do Sul, de acordo com estatísticas oficiais.
Para o futuro, analistas preveem que a covid-19 provocará menos mortes do que agora, mas seguirá como uma das principais causas de óbito, ao lado de câncer e doenças cardiovasculares — sobretudo entre idosos. A expectativa é de que haja períodos de piora (como a gripe no inverno) para posterior melhora de cenário.
— É possível que a covid figure entre as principais causas de morte nos próximos anos. Ela vai substituir um pouco as mortes causadas por pneumonia e influenza por ser o vírus predominante. Por isso é tão importante termos medicações para tratar ou prevenir para a população mais frágil — diz o presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Alberto Chebabo, citando a necessidade de o Sistema Único de Saúde (SUS) oferecer os remédios Paxlovid, Evushield e Molnupavir.
Para entender o possível impacto da covid-19 no futuro, é preciso olhar para o passado. Em 2021, o coronavírus matou mais de 424 mil pessoas no Brasil. Em segundo lugar, as doenças cardiovasculares e do aparelho circulatório mataram 358 mil brasileiros, enquanto o câncer causou 222,5 mil mortes. Os dados do Ministério da Saúde são preliminares e podem ser atualizados em até dois anos.
A atual melhora pode levar à percepção de que a covid-19 está controlada, mas 200 mortes por dia no país é mais do que se caísse todo dia um Airbus A320 — mesmo modelo da tragédia do avião da TAM que saiu de Porto Alegre e bateu em um prédio ao não conseguir pousar no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, matando 187 passageiros.
O médico infectologista Alexandre Zavascki, do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), diz que não há como prever o comportamento do coronavírus no longo prazo, mas que altas taxas de óbito devem permanecer em até dois anos.
— Cada país aceitou um nível de mortes. Do que depende se continuará assim ou não? Depende do surgimento de variantes que tenham grau de escape da imunização e da duração da proteção das vacinas, principalmente na faixa etária mais elevada. O surgimento de novas variantes impede que tenhamos imunidade coletiva. Pessoas vulneráveis deverão ter, a partir de agora, a covid como uma das principais causas de morte — afirma o infectologista.
Os três anos de pandemia mostram que, no Brasil, onde a desigualdade social é grande, tolera-se mais mortes por covid-19 do que em nações ricas antes de se impor restrições às atividades.
Mas o número diário de mortes “pode e deve” cair mais, defende a médica Lígia Kerr, vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e professora da Universidade Federal do Ceará.
— Temos que decidir com quais patamares queremos conviver. O Reino Unido liberou tudo quando havia, por semana, cerca de 200 mil casos e 2 mil mortes. É aceitável que esse número de pessoas morra de uma doença que não precisaria? É um balanço que precisaremos decidir. Quem morre são os mais vulneráveis — afirma Kerr.
O virologista Fernando Spilki também afirma que o país deve reduzir mais o número de mortes — o que depende de vacinar mais brasileiros, sobretudo crianças e adolescentes. É preciso ainda, diz, reduzir a desigualdade vacinal em outros países e atualizar imunizantes para as mais recentes variantes.
— Estamos com números melhores, é um alento, mas estamos longe de um normal. É bem certo que a covid-19 nunca estará fora do radar, pelo maior grau de letalidade em comparação a outras doenças do trato respiratório. Mas temos que suplantar este momento em que ela empata ou ganha de outras doenças que são as causas mais comuns de mortes — diz Spilki.
Para a epidemiologista Suzi Camey, integrante do Comitê Científico do Palácio Piratini, se o país entender que o nível atual de mortos é aceitável, a covid-19 pode seguir, no futuro, como uma das doenças que mais matam.
— Pode ser que estejamos chegando a um ponto da covid no qual população e governos não estejam mais dispostos a fazer esforço para baixar os números. Aí teremos um novo patamar, em que os maiores prejudicados serão os mais vulneráveis. Todo mundo imaginava que haveria um Dia D que todos os jornais diriam: “acabou a pandemia”. Não vai acontecer isso. Cada indivíduo vai marcar o fim da epidemia — reflete a epidemiologista.
A pandemia marcou nossa época assim como delineou os hábitos de gerações que enfrentaram guerras e outros eventos históricos, pondera a médica epidemiologista Jeruza Neyeloff, do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. O uso de máscaras e os cuidados com doenças respiratórias poderão perdurar nos próximos anos pelo hábito que foi adquirido — assim como idosos que enfrentaram guerras estocam enlatados na despensa.
— Até 2020, era comum a criança da família ficar doente e ser cuidada pelos avós. Hoje, a gente faz o contrário, cancela a visita dos idosos. Qual costume será que vai ficar? Mudou muito nossa percepção de risco — diz a médica epidemiologista.