Uma pesquisa realizada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) aponta que os testículos humanos podem servir como “santuário viral” do Sars-Cov-2, vírus que transmite a covid-19. Segundo os pesquisadores, a infecção pelo novo coronavírus tem efeitos drásticos sobre as glândulas sexuais e pode comprometer a função reprodutiva masculina. Os cientistas alertam, entretanto, que ainda são necessários estudos complementares para tornar mais claras as consequências para a fertilidade dos homens.
Os pesquisadores demonstraram que o vírus usa as células imunes como possível rota de entrada para infectar os testículos de pacientes com covid-19 severa.
– Conseguimos ainda mostrar que o Sars-CoV-2 tem preferência pelas células que produzem os espermatozoides e promove inflamação dos tecidos, provocando hemorragia e fibroses como as que acontecem no pulmão – relata Guilherme Mattos Jardim Costa, do departamento de morfologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da universidade.
Costa explica que esse ambiente alterado resultou em significativas modificações celulares e moleculares nas glândulas sexuais, “entre as quais a perda massiva das células que geram os espermatozoides, assim como a inibição daquelas que produzem a testosterona, hormônio masculino, cujos níveis foram reduzidos em cerca de 30 vezes reduzidos”.
"Santuário viral"
Para o professor do ICB, os dados sugerem que o microambiente testicular atua como uma espécie de reservatório, ou “santuário viral”, onde o Sars-CoV-2 acaba sendo protegido, já que o testículo é um órgão que tende a evitar, naturalmente, que as células de defesa do organismo ataquem o que está sendo produzido ali dentro.
– O testículo é um ambiente em que o vírus é pouco reconhecido pelo sistema imune. [...] Daí a preocupação com a possibilidade do sêmen contaminado em pacientes com covid-19 e com a demora na eliminação viral do corpo – salienta.
Estudos do grupo, ainda em andamento, que incluem análise do sêmen de pacientes recuperados da covid-19 indicam que a infecção altera os padrões espermáticos humanos por até três meses pós-infecção. Na expectativa do pesquisador, “se comprovado que o testículo é um lugar que serve para o vírus ficar viável por mais tempo e se replicar, como acontece com os vírus da caxumba, da aids, do zika e da hepatite, os dados vão fornecer bases para o desenvolvimento de biotecnologias antivirais”.
O estudo começou na segunda onda da covid-19 em Belo Horizonte, entre janeiro e março de 2021. Onze pacientes, de diferentes idades, não vacinados e que morreram da forma severa da doença, participaram da pesquisa. O vírus foi encontrado nos testículos de todos eles.
Os pesquisadores defendem a vacinação, uma vez que, segundo eles, não há estudos que demonstrem qualquer efeito da vacina sobre os órgãos sexuais.
A pesquisa Sars-CoV-2 infects, replicates, elevates angiotensin II and activates immune cells in human testes foi publicada na plataforma medRxivum, uma plataforma pré-print. Atualmente, o artigo passa por revisão na Revista Human Reproduction.