O primeiro mês de 2022 repete um triste número verificado em fevereiro de 2021 no Rio Grande do Sul: quatro mortes de crianças de até 12 anos em decorrência da covid-19. Dois meninos, de cinco meses e dois anos, e duas meninas, de um e sete anos, residentes, respectivamente, em Venâncio Aires, Sapucaia do Sul, Porto Alegre e Santa Maria, não resistiram às complicações da doença ao longo da segunda quinzena de janeiro de 2022. Os dados são do Sistema de Vigilância Epidemiológica da Gripe (Sivep-Gripe), em que se notificam hospitalizações e óbitos por síndrome respiratória aguda grave (SRAG).
Em todo o ano passado, foram registradas 20 mortes na mesma faixa etária, aumento de 150% em relação a 2020, com oito vítimas fatais. O Estado totalizava, até esta segunda-feira (31), 32 mortes nessa fatia da população.
O sexo masculino aparece como o mais suscetível, correspondendo a 53% dos casos fatais. Quase um terço dos pacientes pediátricos que morreram (31%) não chegou a completar o primeiro ano de vida. O número mais elevado de óbitos está na faixa entre um e cinco anos (38%). Entre as cidades que mais perderam crianças para as complicações da infecção por coronavírus, estão Porto Alegre (quatro), Canoas (três) e Santa Maria (três), seguidas de Pelotas, Uruguaiana e Venâncio Aires (duas cada).
Autorizada desde 16 de dezembro último pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a versão pediátrica do imunizante produzido pelos laboratórios Pfizer e BioNTech só foi incluída no Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 em 5 de janeiro, após uma consulta pública duramente criticada por especialistas e inédita em toda a história do Programa Nacional de Imunizações (PNI). O Rio Grande do Sul começou a vacinar o grupo de cinco a 11 anos, de forma conjunta, em 19 de janeiro — apenas Esteio, na Região Metropolitana, deu a largada na véspera.
O tempo para começar o processo de imunização — a proteção só se completa 15 dias após a segunda dose — acentua a vulnerabilidade infantil, salienta o epidemiologista Paulo Petry, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
— Infelizmente, é natural que as crianças sejam mais afetadas. Embora a estatística mostre números pequenos, é uma tragédia para a família, não importa o número. Principalmente em se tratando de uma doença que se pode prevenir. A vacina não corta a infecção 100%, mas previne o agravamento e o óbito. Já temos estudos muito robustos mostrando que as vacinas cumprem o seu papel — afirma Petry.
O professor recorre à definição de “uma pandemia dentro da pandemia” para se referir ao acometimento, em maior parte, dos não vacinados.
— A grande maioria das internações e mais de 90% das mortes são de pessoas não vacinadas ou com esquemas vacinais incompletos. As crianças são, hoje, o público mais amplo que não tem vacina. Demoramos, com algumas autoridades negando, aquela consulta pública que foi uma perda de tempo absurda. Vários países já vacinam crianças há muito tempo — diz o professor.
Para o epidemiologista, avizinha-se um cenário de aumento de casos entre crianças:
— A variante Ômicron superou o vírus do sarampo, que era o que conhecíamos como mais transmissível. Felizmente, não tem mostrado a letalidade das cepas anteriores. Mas, agora, vem a volta às aulas, o que é um perigo. A primeira dose já confere proteção, mas não a máxima. O ideal, do ponto de vista científico, e não falo dos aspectos pedagógico e econômico, seria postergar um pouco o retorno (às escolas) e acelerar a vacinação.