O Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul (Cremers) tem nova diretoria, que tomou posse no início deste mês. O agora presidente da entidade é o médico anestesiologista Carlos Orlando Pasqualotto Fett Sparta de Souza, 35 anos. Natural de Santo Ângelo, Sparta de Souza é formado pela Universidade Luterana do Brasil. Hoje, ele atua, principalmente, nos hospitais Moinhos de Vento, Santa Casa de Misericórdia e Mãe de Deus.
Neto do clínico-geral Orlando Sparta de Souza e filho do atual secretário municipal de Saúde de Porto Alegre, o cirurgião plástico Mauro Sparta, o novo presidente do Cremers considera que assumir a presidência da entidade é um desafio, mas também uma oportunidade para poder agir junto aos médicos, para melhorar o que chama de "qualidade da medicina e do atendimento" no Estado.
Em seu discurso, Sparta de Souza reforçou o compromisso de levar o Cremers ao Interior e honrar a responsabilidade com os médicos do Estado.
Confira a entrevista à reportagem de GZH, a seguir.
GZH - Ao assumir como presidente do Cremers, o senhor já tinha novos projetos a serem implementados no Conselho? Pode compartilhá-los conosco?
Sparta de Souza - Estamos com a ideia de valorização médica, de aproximação com os médicos, com os diretores técnicos dos hospitais, com os diretores clínicos dos hospitais, com as faculdades de Medicina. Nós temos preocupação com a formação dos novos médicos e queremos estar próximos às faculdades. Muito, muito próximo aos médicos atuantes. Estamos também trabalhando na interiorização para conhecer as dificuldades de cada região e podermos atuar da maneira que nos compete para ajudar aos médicos que estão atuando.
GZH - Sobre interiorização, no seu discurso, o senhor falou sobre levar o Cremers ao interior do Estado. O que isso significa?
Sparta de Souza - Uma grande queixa dos nossos colegas é a distância do Conselho com os médicos do interior do Estado. Queremos fazer fiscalizações educativas para saber as dificuldades e necessidades dos hospitais, dos pronto-atendimentos, justamente, para qualificar da melhor maneira possível para o médico ter um atendimento de qualidade. Queremos estar bem próximos a todos os médicos.
GZH - Teve uma fiscalização em Caxias do Sul, neste mês. Intensificar a fiscalização, então, seria uma destas medidas?
Sparta de Souza - Isso mesmo. Já fizemos uma grande fiscalização em Caxias, em Rio Grande e em Canoas para sabermos como está a real situação e podemos ajudar no atendimento à comunidade.
GZH - E como funciona a fiscalização?
Sparta de Souza - As demandas são as mais diversas, de profissionais, de Ministério Público ou de pacientes que tiveram dificuldades de atendimento. Estas queixas vão se acumulando e nós vamos fiscalizar com o desejo de podermos melhorar isso. Às vezes, a palavra fiscalizar lembra um tom pesado, mas estamos fazendo uma fiscalização com intuito de auxiliar, para vermos as dificuldades que estão ocorrendo e, junto com os órgãos competentes, poder auxiliar na melhoria destes lugares.
GZH - Quais são os principais desafios do senhor neste cargo?
Sparta de Souza - A pandemia nos mostrou que, nestes dois anos, os médicos estiveram à frente dos atendimentos, não faltou médico em nenhum local, os médicos fizeram a carga horária possível e não teve nenhum médico que se negou a prestar atendimento. É esta valorização que queremos passar para os nossos médicos e para a população. A gente também gostaria e vai querer fazer estas fiscalizações para saber onde que há necessidade de material. O médico pronto para atuar. Mas, às vezes, falta um aparelho mais sofisticado ou de laboratório, e isso a gente quer identificar para podermos auxiliar junto com os órgãos competentes.
GZH - Quando o senhor falar de valorização da profissão, vai além de salários?
Sparta de Souza - A valorização que queremos é que os médicos sejam reconhecidos pelo trabalho que estão fazendo, pela atuação que tiveram e estão tendo. Ainda estamos num período de pandemia e sabemos das dificuldades que ocorreram e do desgaste que tivemos, como o distanciamento da família e dos amigos, justamente, em prol da comunidade. Então, este médico precisa ser lembrado, assim como todos os profissionais da saúde.
GZH - Falando em valorização, como o senhor avalia, então, o cenário médico atual no Rio Grande do Sul?
Sparta de Souza - Os médicos do Rio Grande do Sul, falando de uma maneira geral, são amplamente qualificados. Temos médicos das mais diversas faixas etárias, com qualificações muito boas e com experiência muito boa em atendimento. Isso nos deixa muito tranquilos em fazermos o nosso trabalho, pois sabemos que a formação das escolas médicas gaúchas é sempre qualificada. E os médicos do Rio Grande do Sul correspondem à altura, fazendo um trabalho com zelo. Então, acreditamos que os médicos são éticos e nós queremos contribuir ainda mais com isso.
GZH - O RS tem uma quantidade de médicos suficientes?
Sparta de Souza - O Rio Grande do Sul, devido ao dado de proporção médica com relação a habitantes, está com índice adequado. Temos entre 35 mil e 40 mil médicos ativos hoje no RS, em todas as regiões. Algumas regiões com uma pequena escassez. Mas, de modo geral, o número de médicos está adequado para prestar o atendimento à população.
GZH - Então, o que podemos dizer com relação à ambulâncioterapia em Porto Alegre? Por qual motivo os pacientes do Interior ainda dependem do atendimento médico na Capital?
Sparta de Souza - Na verdade, é uma política que ocorre há muito tempo. Sabemos deste desafio. Infelizmente, ao longo dos tempos, os hospitais do Interior acabaram tendo que reduzir as quantidades de leitos, alguns foram encerrando os trabalhos pelas dificuldades de adequação e o custo hoje para manter uma casa de saúde é alto. Os profissionais estão indo para o Interior e atuando, mas, às vezes, falta o material mais fino para o trato de lá. Este custo não consegue chegar ao paciente. Então, esta dificuldade financeira de ter os materiais adequados nas casas de saúde e a manutenção deles ocorre que não se consegue manter pelo Estado ou pelas cidades de menor porte. A ambulâncioterapia está ocorrendo, mas eu vejo que tem muita vontade de melhorar isso. Os médicos estão atuantes para fazer a diferença de evitar a ambulâncioterapia.
GZH - Mas as cidades do Interior ainda enfrentam dificuldades para contratar médicos para as unidades de saúde. Como mudar este cenário?
Sparta de Souza - Na verdade, o médico do Rio Grande do Sul está espalhado por todos os municípios, por todas as regiões. Hoje, tem médico, praticamente, em todos os locais. A dificuldade de contratação não está existindo mais. O que pode ocorrer, às vezes, é (a falta do) o médico especialista. Mas o médico que atua como generalista está nos postos de saúde, nas unidades básicas de saúde, para fazer o atendimento ao grande público. Agora, o especialista, este sim, talvez, tenha um pouco mais de dificuldade para algumas regiões devido à pouca demanda.
GZH - O senhor considera que não ter tantos especialistas no Interior tenha a ver com demanda e não com o desinteresse dele de ir para o Interior?
Sparta de Souza - Com demanda ou um pouco de falta de estrutura, dependendo da especialidade. Não é falta de interesse do médico. O médico gosta de trabalhar e gosta de ter uma estrutura boa para poder fazer o seu trabalho.
A valorização que queremos é que os médicos sejam reconhecidos pelo trabalho que estão fazendo, pela atuação que tiveram e estão tendo. Ainda estamos num período de pandemia e sabemos das dificuldades que ocorreram e do desgaste que tivemos, como o distanciamento da família e dos amigos, justamente, em prol da comunidade. Então, este médico precisa ser lembrado, assim como todos os profissionais da saúde.
SPARTA DE SOUZA
Presidente Cremers
GZH - Com relação à telemedicina, qual a sua opinião sobre este tema?
Sparta de Souza - Estão sendo feitas resoluções a nível de conselho federal, nós temos, foi passada na Câmara dos Deputados, a nível de emergência, por causa da pandemia. É um braço da Medicina que está se fortalecendo cada vez mais, estamos acompanhando e é algo relativamente novo. Antes (da pandemia), não tínhamos conhecimento. E as pessoas, de um modo geral, estão atuando. É um atendimento novo para o paciente e para o médico. Algumas especialidades tiveram uma surpresa positiva como, por exemplo, os psiquiatras. Muito que eu converso estão gostando da telemedicina. Outras especialidades ainda estão com um pouco de dificuldade. Então, são resoluções que devem ser construídas, sendo adequadas às necessidades de cada especialidade para conseguirmos chegar numa resolução muito específica.
GZH - E isso está mais próximo de ser definido?
Sparta de Souza - Este debate está sendo cada vez mais atuante, não só no Rio Grande do Sul, como a nível nacional. Acredito que em breve será construído pelo Conselho Federal, ouvindo as regionais, algo bem moderado e muito bom para todos.
GZH - Em 10 de fevereiro, havia mais de 3 milhões de pessoas com alguma dose de vacina contra o coronavírus em atraso no Rio Grande do Sul, segundo o governo do Estado. O que falta para avançarmos na vacinação? E como o Cremers poderia agir para contribuir nos alertas à população?
Sparta de Souza - A vacinação, acreditamos, que está sendo muito positiva. O Cremers, nas situações que pode, abriu as suas portas para vacinação dos médicos, em duas oportunidades no ano passado. Fizemos uma realização conjunta com a Secretaria Municipal de Saúde (Porto Alegre), com o Sindicato Médico do Rio Grande do Sul e com a Associação Médica do Rio Grande do Sul, justamente, uma grande ação para a vacinação dos médicos. A vacinação é positiva para a comunidade. Acreditamos que, cada vez mais, este assunto que está sendo debatido, as orientações, as vantagens da vacinação estão sendo explicitadas pela própria ciência e a população está consciente. Quem está em atraso, às vezes, pode ser algo de registro que, com certeza, colocará em dia o mais rápido possível.
GZH - Na semana passada, tive contato com duas mães que foram orientadas por médicos a não vacinarem os seus filhos contra a covid-19. Qual a sua opinião sobre estes profissionais contrários à vacinação?
Sparta de Souza - A autonomia médica é sempre respeitada. Nós temos aqui diversos estudos sobre vacinação, sobre covid-19 de maneira geral. A gente é sempre muito prudente sobre este assunto. A gente acredita que se as pesquisas foram sérias, como a gente acredita que vacinação não é um problema. Até, de um modo particular meu, incentivamos a vacinação. O que a gente acredita é que foram investidos bilhões para termos a qualidade. Então, mesmo com o tempo curto para as pesquisas, a gente acredita que foi muito investimento realizado e se os dados das pesquisas científicas mostram a vantagem da vacinação, nós estamos a favor da ciência.
GZH - Como o Cremers se posiciona tendo ainda grupos de médicos defendendo o tratamento precoce contra a covid-19?
Sparta de Souza - O Cremers atua sobre a bandeira respeitando o nosso órgão superior, que é o Conselho Federal de Medicina. O Conselho tem a resolução 04 de 2020. Esta resolução fala na autonomia médica. Então, a gente está respeitando a resolução que está acima de nós, respeitando a autonomia dos profissionais. Os trabalhos estão aí e os profissionais leem. Hoje em dia, é uma facilidade para termos (acesso) as pesquisas e os artigos. Então, o profissional estuda, lê, relê, os artigos praticamente saem semanalmente. Então, a autonomia médica é defendida para fazer o melhor para o seu paciente.
GZH - Falando sobre autonomia médica, no ano passado, uma médica que fez nebulização de hidroxicloroquina num paciente de Alecrim com a intenção de tratar covid-19. O paciente morreu. O caso chegou ao Cremers, que arquivou a denúncia. Como costuma ser feito este tipo de avaliação pelo Conselho? Existe uma câmara responsável pela análise e julgamento dos casos?
Sparta de Souza - Sempre quando chega uma denúncia é aberta uma sindicância. E todas sindicâncias sempre ocorrem em sigilo. Então, não posso falar de um ato concreto, sendo que é um procedimento sigiloso, sendo resguardados os nomes dos profissionais e dos denunciantes.
GZH - Mas existe um grupo que faz este tipo de avaliação dentro do Conselho?
Sparta de Souza - Sim. Posso lhe explicar. Chegam ao Conselho de 50 a 60 denúncias por mês e elas são distribuídas aos conselheiros. Esta distribuição ocorre pela especialidade e distância. Os casos do Interior são julgados pelos conselheiros da Capital e vice-versa. O corpo de conselheiros é formado por 42 médicos, sendo 40 eleitos e dois indicados pela Amrigs. Eles são distribuídos em câmaras. Cada uma delas é composta por sete conselheiros, que avaliam cada caso. Normalmente, numa sessão são marcadas de dez a 14 sindicâncias na mesma data. Entre as avaliadas algumas são arquivadas e outras são abertos processos ético-profissionais. As que são arquivadas aqui no Estado, o denunciante, se achar que a resposta não foi adequada, pode entrar com recurso ao Conselho Federal de Medicina.
GZH - Destas denúncias mensais, quantas acabam se tornando processo?
Sparta de Souza - Normalmente, de 10% a 20% se tornam processo.
GZH - O senhor quer deixar uma mensagem final?
Sparta de Souza - Gostaria de passar para a classe médica que nós seremos muito atuantes. Estaremos ao lado do médico, buscando a valorização dos profissionais e vamos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para melhorar a qualidade da medicina no Rio Grande do Sul.