Pouco após uma semana do início da campanha, a adesão de crianças à vacina contra a covid-19 está abaixo do esperado, avaliam Palácio Piratini e prefeituras do Rio Grande do Sul. Receio de pais e campanhas de desinformação são apontados como responsáveis.
— Pelos dados do momento, não temos uma adesão esperada. A gente acredita que pais com receio de vacinar seus filhos com a vacina da Pfizer terão maior adesão com a CoronaVac, já que ela usa uma plataforma de vírus inativado, que é conhecida por ser a mesma da vacina da influenza — diz Tani Ranieri, chefe da Divisão Epidemiológica do Centro Estadual de Vigilância em Saúde.
Há 862.747 crianças gaúchas de cinco a 11 anos, mas a aplicação é feita em etapas, devido ao repasse a conta-gotas de doses pelo Ministério da Saúde. Até agora, foram distribuídas 118 mil vacinas pediátricas da Pfizer pela Secretaria Estadual da Saúde (SES), mas apenas 31.875 crianças receberam a primeira dose.
Nem todas as crianças dos cinco aos 11 anos estão aptas a se imunizarem. Nos primeiros dias, a vacinação esteve restrita a crianças indígenas, quilombolas, no espectro autista, com comorbidade e com deficiência – 101,5 mil gaúchos. Aos poucos, prefeituras incluem novas faixas etárias da população em geral. Em Porto Alegre, apenas nesta sexta-feira (28) foi incluída a faixa etária a partir de seis anos.
Há de se levar em conta também que dados de crianças imunizadas são imprecisos. O Sistema de Informações do Plano Nacional de Imunização (SI-PNI), mantido pelo Ministério da Saúde, está instável e ainda não possui uma "aba" para inserir dados de vacinação de crianças. Para chegar ao número de imunizados, o governo estadual questionou as prefeituras – 397 dos 497 municípios retornaram com respostas.
Para aumentar a adesão, autoridades decidiram destinar na quarta-feira (26) todas as 605 mil doses de CoronaVac em estoque no Rio Grande do Sul para crianças (a dose é a mesma de adultos), o que permite atingir cerca de 60% da faixa etária. O governo também desenvolve uma campanha publicitária para informar sobre a importância e a segurança das vacinas.
— O que se sabe hoje a nível mundial é que o advento das vacinas alterou o perfil epidemiológico da morte por diversas doenças. Não existe vacina isenta de evento adverso. Manter a criança em observação por 20 minutos é uma forma de precaução. Sabendo que os efeitos mais fortes costumam ocorrer nos primeiros momentos depois da vacina. Isso ocorre em qualquer clínica privada, para qualquer imunizante — afirmou Ranieri em entrevista à Rádio Gaúcha na manhã desta sexta-feira.
Ranieri destaca a urgência de imunizar os pequenos ao citar dados de aumento de internações por coronavírus no Rio Grande do Sul. Se crianças de zero a 11 anos representavam 0,7% entre todos os hospitalizados pela doença em 2020 e 2021, apenas em janeiro deste ano passaram a compor 5,4% de todas as internações, de acordo com estatísticas levantadas pela SES.
O movimento era esperado por analistas: conforme mais pessoas se vacinam, o risco de adoecer cresce entre os não vacinados. Desde o início da pandemia, 31 crianças até 11 anos morreram de covid-19 no Rio Grande do Sul, sendo que nove tinham entre cinco e 11 anos.
— O número de hospitalizações de crianças está crescendo, as vacinas são seguras e vacinar crianças maiores protege as que são menores, para quem tem família — acrescenta a porta-voz da Secretaria Estadual da Saúde.
O presidente Conselho de Secretários Municipais da Saúde gaúchos (Cosems-RS), que representa as prefeituras, confirma a menor adesão na faixa etária e diz que muitos pais chegam aos postos de saúde com receio de que a vacina da Pfizer cause problemas no coração das crianças. O risco de causar problema no coração consta na bula do imunizante, mas é raríssimo.
Nos Estados Unidos, onde já foram aplicadas mais de 10 milhões de doses da Pfizer em crianças, não foi relatada nenhuma morte por causa da vacina. Houve oito casos de miocardite (0,00008% das aplicações), identificados pouco após a aplicação e todos com evolução clínica favorável, destaca a Sociedade Brasileira de Pediatria.
Há relatos de pais que se dirigem aos postos de saúde, sem os filhos, para questionar servidores do Sistema Único de Saúde (SUS) sobre a vacina para então decidir se levarão as crianças em seguida.
— A menor adesão das crianças não pode estar dissociada dos grandes movimentos de desinformação, que têm repercussão muito maior em crianças do que em adultos. Vamos trabalhar em campanhas de informação: a confiança dos pais se dá com base em informação objetiva e concreta. A vacina não traz malefícios às nossas crianças, e sim benefícios, foi aprovada pela Anvisa. Hoje, temos um número de contaminados muito maior e um número menor de internados, graças à vacina. Na pandemia que vivemos, é a vacina que vai tirar nos tirar desse momento — diz.
Fake news
Em Porto Alegre, a adesão também está aquém do esperado. Das 118 mil crianças de cinco a 11 anos, 8 mil foram vacinadas, segundo a Secretaria Municipal da Saúde (SMS). Nos primeiros dias, quando eram vacinadas apenas grupos prioritários, o movimento era mais baixo, mas aumentou conforme crianças da população em geral foram contempladas, na segunda-feira (24). No dia, 1 mil doses aplicadas. Na terça (25), foram 1.946 e, na quarta (26), 3.236.
Alguns pais mostram receio em vacinar os filhos sob o argumento de que o risco de mortalidade infantil é menor do que o de adultos e com o receio de efeitos colaterais, conta Caroline Schirmer, diretora de atenção primária à saúde da SMS.
Muitos pais trazem a ideia de que a Pfizer é mais agressiva, tem a fake news de modificar o DNA das crianças. Isso influencia. O relato deles é de que a CoronaVac protege sem causar tanta reação. Muitos tomaram a CoronaVac, não tiveram reação e têm medo de os filhos terem — diz Schirmer.
A prefeitura já está desenhando uma série de medidas para aumentar a adesão. Entre elas, expandir o número de postos de saúde aptos a vacinar crianças, oferecer aplicação noturna e levar vacinas para pontos onde pais e crianças costumam se reunir, como parques e shoppings.
— A gente tem a unidade móvel de saúde. Se a gente puder estacionar em parques e outros locais, entendemos que vamos ampliar a adesão. Considerando que esse público tem afeição por parques, é um lugar a ser estudado. Shoppings centers, como o Praia de Belas, já se colocaram à disposição. Entendemos que será um público mais demorado, assim como adolescentes. Já imaginávamos que não teríamos 50% de adesão na primeira semana. A urgência foi maior dos idosos e adultos com comorbidades, que tinham medo de morte - conclui.