Homens e mulheres transexuais contam com mais um serviço voltado especificamente a suas peculiaridades no Rio Grande do Sul. O Ambulatório Trans da Casa de Saúde Santa Maria, hospital com atendimento 100% via Sistema Único de Saúde (SUS) em Santa Maria, oferece atendimento médico e de áreas de apoio para indivíduos que se sentem em desacordo com o sexo biológico e buscam a transição de gênero.
A cidade já contava com ambulatório para moradores locais, e o serviço, ampliado com verbas do programa Assistir, do governo do Estado, agora pode ser acessado por residentes de 33 cidades da Região Central. Inaugurado em dezembro passado e prestando atendimento desde 10 de janeiro, o ambulatório reúne profissionais especialmente capacitados para suporte clínico, psiquiátrico, psicológico e de endocrinologia, entre outras especialidades.
São até 240 consultas por mês, além de exames laboratoriais — o encaminhamento deve ser feito a partir da unidade de saúde de referência do paciente. O ambulatório foca em pacientes que estejam descobrindo sua condição ou já em fases mais adiantadas, não necessariamente com o objetivo de se submeter à cirurgia de afirmação de gênero, que no Estado é realizada apenas no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA).
A irmã Liliane Alves Pereira é presidente da Associação Franciscana de Assistência à Saúde (Sefas), que comanda o Casa de Saúde, e também diretora do hospital. Graduada em Enfermagem, mesma área do doutorado, que foi antecedido por um mestrado em Liderança e Ética, a religiosa afirma ter muita clareza quanto a um dos preceitos fundamentais da religião que professa — o da irmandade.
— Não olho o ser humano pelo que acho que ele é. Olho pelo que ele é. O ambulatório tem um olhar humanizado, muito mais equânime. Mais do que tratar com diferença, é tratar com responsabilidade. Precisamos entender que as diferenças são parte do que somos como humanidade. Não somos iguais. Só somos inteligentes porque não somos iguais — afirma Liliane.
O Ambulatório Trans está no mesmo espaço físico do ambulatório de outras especialidades, em espaço anexo ao hospital. Não há placa que o identifique, para que não se sinalize justamente a segregação que se quer combater.
Liliane admite que a experiência é muito desafiadora. Para quem se surpreende com a ligação da religiosidade a uma parcela da sociedade ainda tão desconhecida e vítima de preconceito, a irmã tem resposta pronta.
— Como é que a senhora trabalha com uma população dessas? Isso não é de Deus — questionam alguns.
— Ele te falou que não é? — devolve Liliane.
Não olho o ser humano pelo que acho que ele é. Olho pelo que ele é. O ambulatório tem um olhar humanizado, muito mais equânime. Mais do que tratar com diferença, é tratar com responsabilidade. Precisamos entender que as diferenças são parte do que somos como humanidade. Não somos iguais. Só somos inteligentes porque não somos iguais.
IRMÃ LILIANE ALVES PEREIRA
A irmã franciscana menciona duas fortes razões para sua dedicação:
— Uma é a minha consagração. Eu me consagrei para o reino de Deus, que me coloca perto dessas pessoas hoje. Outra é a minha formação, que pede sensibilidade e moral. Como não entender que a humanidade caminha em torno de um bem comum?
Um de seus objetos de pesquisa, a interculturalidade, também se beneficia dessa aproximação, segundo Liliane.
— Essas pessoas trazem culturas diferentes. Fingir que elas não existem? A sociedade já perdeu muito tirando a visibilidade de outras populações. Perdemos muito quando usamos nossa capacidade de julgar em vez de acolher.
Serviço
Ambulatório Trans do Hospital Casa de Saúde de Santa Maria
- Público-alvo: pessoas trans que buscam transição de gênero residentes em 33 cidades da Região Central
- Capacidade: 240 consultas por mês, além de exames laboratoriais, pelo SUS
- Interessados devem procurar sua unidade de saúde de referência para que o atendimento seja encaminhado pelo Sistema de Regulação