Casos de coinfecção simultânea por covid-19 e influenza H3N2 podem parecer novidade, mas existem desde o início da pandemia e são subnotificados. O fenômeno, chamado informalmente de “flurona”, costuma ser menos frequente do que a contaminação por apenas um dos vírus, mas deve se tornar mais comum em meio à retomada das atividades, a nova onda de Ômicron e o surto de H3N2 no verão, fora de época.
Registros de “flurona” são menores por conta da subnotificação de casos de influenza: como os sintomas são semelhantes aos da covid-19, a rede pública não testa para gripe se o indivíduo apresentar resultado positivo para coronavírus, explica Andrea Dal Bó, médica infectologista no Hospital Virvi Ramos, em Caxias do Sul, e membro da Sociedade Sul-Riograndense de Infectologia (SRIG).
O exame para influenza, portanto, acaba sendo feito apenas se o paciente está em estado mais crítico, com diagnóstico de síndrome respiratória aguda grave (SRAG), e apresenta resultado negativo para coronavírus. O duplo-teste é mais comum em hospitais e laboratórios privados que utilizem a mesma amostra para verificar a presença de diversos vírus.
— Existem vários relatos na literatura de coinfecção por covid e influenza desde 2020, principalmente na China. No Brasil, houve casos publicados em revista científica. Não é algo novo. Houve, neste ano, muita coinfecção de crianças de covid com outros vírus respiratórios, como vírus sincicial e adenovírus. É importante testar para covid e influenza porque, se a pessoa tem influenza, existe um medicamento, o tamiflu — observa Dal Bó.
A médica acrescenta que há poucos estudos para averiguar os efeitos da coinfecção em pessoas vacinadas, status da maior parte dos brasileiros.
— Existe um trabalho feito em hamsters em que houve a simulação da coinfecção. Houve perda de peso, mais inflamação e um quadro mais grave de piora pulmonar, mas com predominância da influenza sobre a covid, sobretudo se a infecção por influenza acontece primeiro. Neste caso, houve aumento da carga viral da influenza e diminuição da covid. Mas esses dois vírus são preveníveis na forma grave, e esses casos relatados na literatura foram antes da vacinação — diz a infectologista.
Não há como saber, sem exames, quando a infecção é por influenza ou por covid porque os sintomas são os mesmos, pontua Caroline Deutschendorf, médica infectologista do Controle de Infecção do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). A diferença é que, na influenza, crianças também fazem parte do grupo vulnerável, ao contrário da covid-19.
— Os sintomas são muito parecidos, como coriza, febre e mal-estar. Ter flurona não quer dizer necessariamente que o quadro será mais grave do que ter só influenza ou só covid. A maior probabilidade é de ser um quadro mais leve. Qualquer vírus novo que circule na comunidade causa alerta, mas casos de coinfecção são mais raros pela probabilidade matemática mesmo de exposição — explica.
O Ministério da Saúde não respondeu até o fechamento desta reportagem quantos casos de flurona já detectou no país. A Secretaria Estadual da Saúde do Rio Grande do Sul (SES-RS) afirma que não há nenhum registro oficial, mas que a avaliação é constante.
A Secretaria Municipal da Saúde de Porto Alegre (SMS) não tem nenhum caso registrado de coinfecção, apenas 45 infecções por influenza H3N2. Mas a possibilidade de flurona preocupa a prefeitura:
— Não sabemos ainda como essa dupla contaminação se comporta no organismo, especialmente dos mais vulneráveis: idosos e doentes crônicos. Esperamos que a vacina, tanto da covid quanto da influenza, consiga evitar formas graves — afirma o epidemiologista Fernando Ritter, chefe da Vigilância em Saúde da SMS.
A vacina contra a influenza H3N2, apesar de não incluir a cepa responsável pela nova onda de casos de gripe, provavelmente fornece alguma proteção contra a variante, dizem analistas.
O médico Fabiano Ramos, chefe da Infectologia do São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), destaca que a coinfecção por covid e outros vírus respiratórios não foi tão grande até agora porque é neste momento que a população está retornando a uma vida mais próxima do normal. As medidas de prevenção contra influenza e covid-19 são as mesmas, acrescenta — e a vacinação contribui para a proteção.
— Na teoria, a gente pode ter uma associação de vírus que, sozinhos, já agridem o sistema respiratório e podem causar uma doença mais grave. Mas não é o que se está vendo em relação à Ômicron e, mesmo que a cobertura vacinal para influenza tenha sido mais baixa do que o habitual, não é uma cobertura tão baixa. Pessoas com fatores de risco e baixa imunidade, se tiverem coinfecção, terão mais risco de ter doença mais grave, tanto por Ômicron, por influenza ou pelas duas ao mesmo tempo — alerta Ramos.