A consulta pública proposta pelo Ministério da Saúde sobre a vacinação contra a covid-19 de crianças recém começou, mas já está cercada de polêmicas. Além de questionamentos jurídicos, com o Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo que o governo federal explique por que quer permitir a imunização de pessoas com cinco a 11 anos somente com prescrição médica, entidades e especialistas em áreas como infectologia e pediatria demonstram contrariedade com a consulta.
Entidades como a Sociedade Brasileira de Pediatria e a Sociedade Brasileira de Infectologia, além do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers) e a rede Todos Pelas Vacinas, que reúne pesquisadores e organizações ligadas à divulgação científica, questionaram os motivos que levaram o Ministério da Saúde a lançar a consulta pública mesmo após a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovar o uso da vacina Pfizer/BioNTech para essa faixa etária.
— Vejo essa consulta com preocupação, porque provavelmente levará a um atraso para o início da imunização das nossas crianças, o que nos preocupa bastante — ressalta Karen Morejón, que é consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).
A infectologista desconhece que consultas públicas dessa espécie, voltadas a tomar uma decisão sobre uma política pública na área da saúde, já tenham ocorrido em outros momentos. Em seu entendimento, não há contribuições relevantes a serem tiradas em uma consulta neste momento e sua realização só causa mais insegurança na população.
— Esse assunto já foi debatido por equipes técnicas. Existem estudos mostrando o benefício da vacina contra a covid-19 para crianças e vários países já estão vacinando. A vacinação deve ser feita e priorizada, e esses entraves acabam atrasando a imunização — avalia a médica, ressaltando que a covid-19 já é a doença prevenível com vacina que mais matou crianças neste ano.
Segundo o vice-presidente do Cremers, Eduardo Trindade, normalmente as consultas públicas são feitas antes do pronunciamento da Anvisa:
— Neste momento, quando tantas entidades científicas já se pronunciaram, inclusive a própria Anvisa, além de várias agências reguladoras americanas e europeias, é incomum fazer uma consulta pública.
Para Trindade, a importância de vacinar está clara e estabelecida e só seria benéfico fazer consultas sobre outros assuntos, como pesquisas sobre novas gerações de imunizantes que protejam contra as variantes que surgem, o que não está no escopo desta pesquisa. Em seu entendimento, toda discussão é salutar, desde que não retardem estratégias que podem evitar sequelas ou danos permanentes na população.
Além da consulta pública, outro potencial causador de atraso no processo de vacinação é a exigência determinada pelo Ministério da Saúde de apresentação de prescrição médica e do consentimento dos pais para a imunização, na opinião do vice-presidente do Cremers.
— Em alguns locais inclusive há dificuldade de acesso ao atendimento médico. Se a pessoa tem dificuldade para conseguir ser atendida para problemas cardíacos, por exemplo, não será diferente se precisar de uma prescrição para se vacinar. Lembrando que o benefício da vacina não é só para o indivíduo que a toma, mas também para toda a população — adverte.
Mesmo em meio ao feriado de Natal, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) divulgou nota pedindo urgência na decisão do Ministério da Saúde sobre a vacinação de crianças. No texto, a entidade afirma que, ao contrário do que disse o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, o número de hospitalizações e de mortes motivadas pela covid-19 “não está em patamares aceitáveis” e já levou a óbito mais de 2,5 mil pessoas de zero a 19 anos, sendo mais de 300 com cinco a 11 anos. A SBP ainda destaca que a doença pode causar a síndrome inflamatória multissistêmica, um quadro grave de tratamento hospitalar que se manifesta semanas após a infecção pelo coronavírus.
“O Brasil se encontra diante de hospitalizações, sequelas e mortes que são passíveis de prevenção em sua grande maioria. Ignorar este fato, minimizar sua importância e afirmar que elas são aceitáveis não são atitudes esperadas das autoridades. A sociedade espera e merece outro tipo de postura e de compromisso com a saúde das crianças e adolescentes do Brasil”, manifestou a sociedade.