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A maior cobertura vacinal em alguns Estados poderá servir como “colchão” para amortecer uma eventual piora da pandemia no Brasil com o surgimento da variante Ômicron — ainda não foram registrados casos por aqui. Para isso, será necessário aumentar a população com esquema vacinal completo — o que inclui a dose de reforço — e reforçar o sequenciamento genético de amostras, avaliam quatro analistas ouvidos por GZH.
Especialistas do mundo inteiro investigam se a Ômicron piorará a pandemia fora de países africanos. Sabe-se que a variante é mais transmissível, que tomou rapidamente o espaço ocupado pela Delta e que pode escapar das respostas imunológicas do organismo geradas pela infecção natural ou pela vacinação.
A nova cepa tem cerca de 50 mutações, das quais 36 estão na proteína spike, região do vírus responsável por se ligar na célula humana e justamente a área de atuação das vacinas Pfizer e AstraZeneca. A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirmou, nesta segunda-feira (29), que há muitas dúvidas sobre o assunto, mas que o risco é “muito alto” devido à alta transmissibilidade e que, dado que a cepa traz muitas mutações, há potencial para reduzir a eficácia das vacinas, embora não se saiba o quanto.
Especialistas evitam tom catastrófico e entendem que a Ômicron deve gerar nova onda de casos, mas com impacto menor em hospitalizações e mortes, graças à maior cobertura vacinal no Brasil, onde 62% da população tomou duas doses e, grande parte, há pouco tempo, o que confere proteção mais alta.
A avaliação deles é de que as vacinas podem ter a eficácia reduzida, mas ainda assim oferecer alguma proteção. O foco do país precisará ser o mesmo adotado em relação à Delta: completar o esquema vacinal dos brasileiros, o que inclui a terceira dose no momento em que a proteção começa a perder força. Além disso, reforçar o sequenciamento genético para de fato saber a real presença da Ômicron no país.
O médico Alexandre Zavascki, infectologista no Hospital de Clínicas de Porto Alegre e professor na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), sugere que o maior índice de vacinados no país pode criar um “colchão de proteção” que segure, em primeiro momento, uma nova onda.
— As vacinas não previnem que o vírus entre na célula, ou seja, a infecção, mas sim que, uma vez invadindo, o vírus não se dissemine em outras células. Também se gera imunidade celular, e essa segunda resposta é menos dependente das mutações na proteína spike. A gente teria muitos casos de infecção, porém um percentual menor desses casos agravando. Teríamos aumento de hospitalizações se houvesse grande número de infectados — diz o infectologista.
Caso haja perda de eficácia, as farmacêuticas estão prontas para atualizar as vacinas atuais - Pfizer e AstraZeneca já realizam testes para checar se seus produtos funcionam contra a Ômicron, com provável resultado em duas semanas. A Pfizer afirmou que já trabalha em nova versão contra a variante.
Para o virologista Paulo Brandão, professor da Universidade de São Paulo (USP), a entrada da Ômicron pode não gerar um impacto imediato no Brasil, e sim em maior prazo: o risco de recombinação com a variante Delta e Gama, duas cepas já altamente transmissíveis.
— A Ômicron tem mais de 30 mutações na espícula, mas isso pode não ser tão terrível. Pode gerar uma menor eficiência vacinal com uma dose, mas o importante é ter as duas doses e o reforço. A completude do esquema vacinal dá uma proteção ampla e protege contra todas as variantes que conhecemos até agora, inclusive a Delta. Estados onde a vacinação está mais alta certamente vão conseguir conter bem essa variante e outras — analisa.
Por essa lógica, São Paulo, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul, que lideram a cobertura vacinal no país, podem sair na frente — até agora, 68% de todos os gaúchos receberam duas doses. Amapá, Roraima e Pará, onde sequer 40% dos habitantes completou o esquema vacinal, seriam mais prejudicados.
CoronaVac e o vírus inativado
Teoricamente, a CoronaVac poderia oferecer boa proteção contra a Ômicron porque é uma vacina de vírus inativado — portanto, leva ao sistema imunológico a “carcaça” completa do vírus, e não apenas a proteína spike onde há mutações na nova cepa, cogita o médico Fabiano Ramos, chefe do setor de Infectologia do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
— É possível que a CoronaVac seja boa contra essa nova variante. Mas são em torno de 50 mutações, muitas fora da proteína “S”. Pode haver redução de proteção também para as vacinas de vírus inativado. Os dados que temos até agora levam para um cenário até otimista, de casos leves, não casos graves. Temos uma boa cobertura vacinal no Brasil, mas quase 40% não estão vacinados. Temos que expandir e aplicar a terceira dose — afirma o infectologista, que coordenou estudo sobre a CoronaVac no Hospital São Lucas.
Também com previsão mais otimista, Ivete Masukawa, médica infectologista do Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), destaca que, para a Ômicron assim como para outras variantes, uso de máscaras, higienização e distanciamento entre pessoas (não isolamento) são medidas efetivas.
— Não dá para descartar a possibilidade de que, apesar da nossa cobertura vacinal, a gente tenha impactos. Mas, mesmo que tenhamos imunidade parcial, provavelmente teríamos menos sintomatologia, porque essa variante continua sendo Sars-Cov-2. À medida que haja curva de tendência para aumento no número de casos, as medidas de flexibilização precisarão ser revistas para diminuir grandes aglomerações, que são um risco sem controle de imunização das pessoas, não só para essa variante — diz.
O Brasil está com a epidemia controlada hoje porque, apesar de cerca de 40% dos brasileiros não terem recebido duas doses, muitos estão com a imunidade natural adquirida no início do ano, quando houve o pico da epidemia com a variante Gama, de Manaus, cogitam analistas. O problema é que essa proteção depois de seis meses começa a cair e o país vive aumento nas flexibilizações e aglomerações - o que aumenta a relevância de vacinar-se e tomar a dose de reforço.
— A imunidade para os coronavírus é de duração curta. Nossa preocupação deve ser com a logística de termos vacinação anual. Exatamente por isso não podemos baixar a guarda, seja com a Delta, a Ômicron ou qualquer outra variante — acrescenta o virologista Paulo Brandão, professor da USP.
Evitar aglomerações e tomar consciência dos riscos ganha relevância, destaca o infectologista Alexandre Zavascki.
— A vacinação sozinha não segura nova onda. A Holanda tem 80% de vacinados com duas doses e enfrenta nova onda causada pela Delta. A manutenção dos hábitos de proteção é decisiva. A cobertura vacinal maior amortece o impacto, mas não é o suficiente para prevenir aumento de casos causado por nova variante, se de fato ela escapar da proteção das vacinas — destaca.
O que fazem governos?
Diferentes países estão se organizando — Japão e Israel decidiram voltar a fechar as fronteiras para todos os estrangeiros. Nos Estados Unidos, o Estado de Nova York decidiu, por antecedência, declarar estado de emergência, o que permite ao governo tomar ações como expandir leitos hospitalares e adquirir suprimentos urgentemente.
Em entrevista nesta segunda-feira, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, afirmou que a nova cepa não será diferente das anteriores, que a vacinação é a melhor estratégia, mas que o Brasil não antecipará mais o intervalo para tomar a terceira dose, hoje em cinco meses - a medida é cogitada pelo Reino Unido.
— Não achamos que vai ser diferente das outras variantes. A resposta é a vacinação. Temos um sistema de saúde capaz de dar as respostas no caso de uma variante dessa ter uma letalidade maior — afirmou Queiroga.
O presidente do Conselho Nacional de Secretários Estaduais da Saúde (Conass), Carlos Lula, declarou à Folha de S.Paulo que os Estados terão que rever o afrouxamento das medidas contra a covid-19. A entidade fará uma reunião esta semana para discutir o tema.
A Secretaria Estadual da Saúde do Rio Grande do Sul (SES-RS) afirmou a GZH que não há caso suspeito de infecção por Ômicron em solo gaúcho, mas que o governo está organizando a vigilância genômica (testagem e sequenciamento de amostras de pessoas infectadas) para identificar a entrada da nova variante. O governo também diz que estimula a população a completar o esquema vacinal.
A prefeitura de Porto Alegre anunciou nesta segunda-feira que voltará a oferecer testes RT-PCR para viajantes que chegarem pelo aeroporto Salgado Filho. Todos os casos positivos serão encaminhados para estudo de análise genômica - a ideia é descobrir se há circulação da Ômicron na cidade. A testagem deve começar nos próximos dias.