Usada amplamente na psiquiatria, a fluvoxamina apresentou resultados promissores no tratamento da covid-19, indicou um trabalho publicado na quarta-feira (27) no periódico The Lancet Global Health. O estudo é um dos braços da plataforma Together, iniciativa de pesquisadores brasileiros e do Exterior que avalia a utilização de oito medicamentos como terapias contra a doença causada pelo coronavírus.
A fluvoxamina é um medicamento da classe dos inibidores seletivos da recaptação da serotonina e foi um dos primeiros inibidores a ser aprovado para uso clínico na Europa, no começo dos anos 1980, diz Lucas Spanemberg, psiquiatra no Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e professor da Escola de Medicina da mesma universidade. A serotonina é um neurotransmissor que, assim como alguns outros, atuam na modulação de sistemas emocionais.
— É uma medicação bem antiga que entrou no mercado para tratar depressão. Nos Estados Unidos, foi aprovada para tratar transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e só foi liberada para depressão anos depois. Ela ficou esquecida por muito tempo e foi resgatada há alguns anos para essas duas indicações.
Dentro da psiquiatria, portanto, o medicamento funciona aumentando a disponibilidade da serotonina entre os neurônios, ajudando nos quadros de depressão e TOC.
Para a covid-19, o fármaco entrou no rol de investigações por também ter efeito agonista do receptor sigma-1, ou seja, que tem capacidade de o estimular. Através desse mecanismo, a fluvoxamina teria efeito anti-inflamatório e antiplaquetário, argumenta Ives Passos, professor do Serviço de Psiquiatria do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA).
Por essa razão é que, desde 2020, cientistas têm avaliado a substância no tratamento da doença. No ensaio Together, os dados mostraram uma queda total de 32% no risco relativo de atendimento de emergência prolongado e de hospitalização prolongada em pacientes com comorbidades.
— Temos esse resultado preliminar, estamos avaliando o estudo e a substância. Não é recomendado que as pessoas saiam usando algo porque saiu em um estudo positivo. Mas podemos dizer que é bem promissor. É importante lembrar que a fluvoxamina não impede a infecção, mas modula a resposta inflamatória descontrolada e, com isso, reduz a chance de complicações — reforça o docente da PUCRS.
Passos acrescenta que o medicamento pode ter efeitos colaterais como náuseas e dor de cabeça. Raramente, pode causar convulsão e virada maníaca, que é quando pessoas bipolares têm episódios maníacos.
— Ele só é vendido com prescrição. Não tem como chegar na farmácia e comprar sem receita de controle especial — alerta o professor do HCPA.
Além de já conhecido dos médicos, o fármaco também é acessível, especialmente quando comparado com outras terapias testadas para covid-19, como os anticorpos monoclonais, observa Passos. Apesar dos bons resultados, os autores do trabalho reconhecem que ele ainda tem limitações.