O sistema do Ministério da Saúde que registra as internações por doenças respiratórias indica que 18% das pessoas hospitalizadas com covid-19 no mês de julho no Rio Grande do Sul haviam completado o esquema vacinal.
Os números do Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe (Sivep-Gripe) sinalizam a maior proteção garantida pelos imunizantes, mas uma análise mais profunda das estatísticas é dificultada pelo elevado número de casos sem informação sobre o status de vacinação do paciente. No mês passado, 28% das notificações sobre esse item foram deixadas em branco ou traziam a indicação “ignorado”. Em nível nacional, a situação é pior: não se sabe se 38% dos doentes em tratamento tomaram ou não as doses necessárias.
Como uma proporção significativa dos dados é desconhecida, qualquer avaliação deve ser feita com cautela. Se forem considerados na conta somente os pacientes com situação definida no Sivep-Gripe, o percentual de vacinados por completo ficaria em 24%. A pedido de GZH, o Hospital Conceição de Porto Alegre apurou, por exemplo, um percentual de 31% de vacinados entre as 212 pessoas admitidas no mês passado.
— Percebemos que os imunizados que precisam de hospitalização são aqueles de maior risco e acima de 60, 70, 80 anos — afirma a infectologista e epidemiologista do Núcleo Hospitalar de Epidemiologia do Conceição Carina Guedes Ramos.
Na falta de dados gerais mais completos, porém, não é possível saber se o cenário do estabelecimento da Capital é o mesmo de outros em todo o Estado. Ainda assim, os números disponíveis até o momento no Rio Grande do Sul apontam para o efeito benéfico do avanço da imunização, que no final de julho alcançava 27,4% da população com esquema vacinal concluído, e agora se aproxima de 32%.
O primeiro sinal da proteção dos imunizantes é a queda no número absoluto de internações por coronavírus conforme as notificações feitas ao Sivep-Gripe. A quantidade de doentes admitidos em leitos clínicos ou de terapia intensiva (UTI), conforme o levantamento realizado por GZH, recuou de 10,6 mil em junho para 4,8 mil em julho – um declínio de 54%.
O status de vacinação de quem foi hospitalizado, apesar das limitações, também sugere que a imunização vem reduzindo as complicações de saúde. Os dados indicam que apenas um em cada cinco pacientes estava imunizado, e que um terço não havia tomado qualquer aplicação.
Esse fator de prevenção também aparece quando se analisa o percentual de imunizados por faixa etária. Entre os idosos com pelo menos 80 anos, 53% dos hospitalizados apareciam com indicação de terem tomado as duas doses ou a aplicação única. À primeira vista, pode parecer um sinal de baixa eficácia dos imunizantes, mas o pesquisador em Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Marcelo Gomes sustenta que a conta a ser feita é outra.
— Na população acima de 70 anos, por exemplo, a cobertura de segunda dose já está na casa dos 90% (de pessoas vacinadas) há mais de um mês. Então, é natural que tenha um percentual importante de vacinados entre os internados. Mas, olhando os dados, vemos que não chega a esses 90% (o total de vacinados entre os hospitalizados). Ou seja, proporcionalmente, temos mais internações entre não vacinados do que entre vacinados, que é justamente a vacina funcionando. — esclarece Gomes.
No caso do Rio Grande do Sul, 86% dos idosos acima de 80 anos estão com o nível máximo de proteção na população em geral, percentual que cai para 53% entre os hospitalizados. A diferença entre esses dois números é um indício das vacinas fazendo efeito. O pesquisador faz outro alerta sobre análises envolvendo a fatia de imunizados entre pacientes hospitalares:
— À medida que a cobertura vacinal avança, como a eficácia (de qualquer imunizante) não é de 100%, é natural aumentar o percentual de internados com vacinação completa. A questão é que sem, a vacina, esses números seriam muito maiores.
No caso prático gaúcho, 18% de vacinados entre um universo de 4,8 mil internações corresponde a 850 casos. Mas, a aplicação desse mesmo percentual sobre os 10,6 mil pacientes do mês anterior, por exemplo, resultaria em quase 2 mil pessoas sob tratamento. Por isso, mesmo que a proporção de imunizados nos hospitais possa seguir se elevando à medida que a cobertura vacinal progride entre a população em geral, isso limita o crescimento do número absoluto de doentes de covid.
Outra observação do especialista da Fiocruz é de que não se deve contar exclusivamente com as doses para enfrentar a pandemia:
— A vacina não é uma barreira intransponível. Se a gente mantém o número de casos lá no alto, vamos continuar tendo muitas internações, mesmo entre vacinados. Ainda mais quando a cobertura vacinal na população total ainda está longe do ideal. O que a vacina faz é diminuir esse patamar.
Melhorar a notificação é desafio
Um dos desafios do país no combate à pandemia é melhorar a qualidade dos registros oficiais. No caso da vacinação, é fundamental saber quantos pacientes foram imunizados, quando e com qual produto para que se possam fazer análises quanto à eficiência dos diferentes produtos, da eventual necessidade de aplicações de reforço, entre outras possíveis avaliações.
Isso ocorre porque as equipes de saúde deixam de preencher esse dado no formulário do Sivep-Gripe ou não conseguem confirmá-lo e notificam o status do doente como “ignorado”. Conforme um levantamento anterior realizado pela Fiocruz, embora a média nacional de pacientes internados em julho sem essa informação fique em 38%, há Estados com percentuais muito superiores: o apagão nos dados chega a 81% em Roraima e a 80% em Pernambuco. No Rio de Janeiro é de 53%, e em São Paulo, 34%. O Rio Grande do Sul fica em uma posição melhor do que a média nacional, com 28%.
Outro problema são inconsistências no preenchimento do formulário — o que inclui a descrição da vacina tomada pelo paciente hospitalizado. Entre as notificações realizadas no Rio Grande do Sul, a vacina Pfizer, por exemplo, pode aparecer como Pfaizer, Pfeizer, Phizer, Pifzer, Pzhier ou Fayzer, o que dificulta a realização de levantamentos. Em outros casos, em vez de incluir o nome do fabricante, são inseridos recados como “imunizado em Rivera”.
GZH questionou o Ministério da Saúde sobre eventuais iniciativas para aprimorar a qualidade do processo de notificação, mas não obteve resposta até a publicação da reportagem.