Conteúdo verificado: tuíte afirma que o fato de o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), ter se infectado duas vezes com a covid-19 é a prova de que a CoronaVac não funciona.
É falso que casos de pessoas infectadas com a covid-19, mesmo após receberem as duas doses da CoronaVac, mostrem que a vacina é ineficaz contra o coronavírus. Os imunizantes contra o Sars-CoV-2 reduzem o risco de desenvolver quadros graves da doença, mas não eliminam a possibilidade de contágio.
Nenhuma vacina garante 100% de imunidade contra uma doença. O propósito delas é tornar o contato do sistema imunológico com o vírus mais seguro e reduzir internações e mortes. Quanto maior a quantidade de pessoas vacinadas, menores as chances de o vírus continuar circulando. As informações desmentem alegação de um influenciador de direita no Twitter, de que o diagnóstico de covid-19 do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), "prova que a vacina chinesa não tem eficácia".
Como verificamos?
Primeiramente, o Comprova verificou quando o governador João Doria foi vacinado e quando se infectou com a covid-19.
Em seguida, procurou dados sobre a eficácia da CoronaVac e de como age uma vacina no organismo. Também foi consultado o professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF/USP) Marco Antonio Stephano para entender melhor a atuação dos imunizantes.
O Comprova pesquisou quem era o autor da postagem, @AlanLopesRio, e encontrou notícias sobre sua candidatura a vereador do Rio de Janeiro pelo PSD em 2020. O perfil dele no Twitter é fechado para o envio de mensagens particulares, então, a reportagem tentou contato no diretório estadual do PSD e por um e-mail utilizado na campanha do ano passado e disponível na página do Facebook de sua candidatura. Não houve nenhum retorno até a publicação deste texto.
O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 16 de julho de 2021.
Verificação
Mesmo vacinado, Doria pegou covid-19 pela segunda vez
Doria testou positivo para a covid-19 pela primeira vez em agosto de 2020. Na época, ele compartilhou, pelo Twitter, o resultado de um exame PCR-RT e também disse que estava assintomático. Aos 63 anos, o político só foi vacinado contra a doença em 7 de maio deste ano, quando tomou a primeira dose da CoronaVac. Ele recebeu a segunda dose em 4 de junho, 28 dias após a primeira, como indica a bula da vacina.
Nesta quinta-feira (15), o governador de SP anunciou que testou positivo pela segunda vez. Em post no Twitter, ele disse ter feito um teste por prevenção após detectar alguns sintomas e que está se sentindo bem. Ele atribuiu os sintomas leves ao fato de ter sido vacinado.
Vacina não impede infecção, mas, sim, casos graves
A imunização não impede que a pessoa contraia o vírus, mas reduz os riscos de que desenvolva formas mais graves da doença. Segundo especialistas, nenhuma vacina é 100% eficaz contra doenças, o que inclui imunizantes utilizados há décadas, como aqueles contra sarampo, catapora e gripe. O objetivo deles é garantir que o sistema imunológico seja exposto ao vírus de forma segura.
O que permite a erradicação de uma doença — ou redução dos casos — é a ampla cobertura vacinal. Ou seja: quanto mais pessoas protegidas, menor a circulação do vírus.
O professor da FCF/USP Marco Antonio Stephano explica que é importante entender que o objetivo das vacinas é evitar casos graves e mortes pela doença.
— Quando você faz uma imunização em massa é esperado que 16% da população não tenha uma boa produção de anticorpos. Essa premissa é uma característica genética — explica.
Além disso, os próprios estudos de eficácia demonstram que uma parcela da população não desenvolverá uma imunidade completa.
— As vacinas injetáveis levam a uma imunidade para casos graves da doença. Se a pessoa toma a vacina e não desenvolve anticorpos, essa pessoa tem risco de morrer? Mais ou menos. Um grupo muito pequeno pode desenvolver a forma a grave — acrescenta Stephano.
O professor ainda ressalta que a eficácia de uma vacina é diferente para cada grupo de pessoas.
— A tendência é que em idosos a resposta imune não seja a mesma que em pessoas mais jovens, assim como em quem tem comorbidade — diz.
CoronaVac é menos eficaz?
Antes de apresentar os dados de eficácia, é importante ressaltar que a eficácia e a efetividade de uma vacina não são sinônimos para os pesquisadores. A eficácia é definida a partir de estudos clínicos rigorosos feitos em condições controladas. Já a efetividade avalia os resultados da vacina na população de modo geral.
A CoronaVac teve o uso emergencial aprovado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) após apresentar eficácia global de 50,38% — isso representa a proporção de pessoas que não foram infectadas após tomarem a vacina. No entanto, pesquisas podem apresentar resultados distintos umas das outras por diversos aspectos, que incluem o perfil da população, idade e diferentes respostas imunológicas de cada organismo. É exatamente por isso que não tem como comparar uma vacina com a outra.
Um estudo de efetividade conduzido pelo Instituto Butantan na cidade de Serrana, no interior de São Paulo, vacinou cerca de 75% da população adulta e observou quedas de 80% nos casos sintomáticos de covid e de 86% nas internações, além da redução de mortes em 95%.
Outra pesquisa, feita no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, mostra que houve queda de 80% nos casos de covid entre 22 mil funcionários vacinados com a CoronaVac, mesmo tratando-se de agentes de saúde constantemente expostos ao vírus.
Nenhuma das vacinas aprovadas para uso no Brasil apresentou 100% de eficácia nos testes, conforme explicado anteriormente. O imunizante da Pfizer apresentou uma eficácia de 95% sete dias após a segunda dose, de acordo com a bula. A da Janssen apresentou eficácia de 66,9% contra casos graves e moderados e a da AstraZeneca de 70%.
Segundo o professor Marco Antonio Stephano, com todos os imunizantes há casos de pessoas que se infectam mesmo estando vacinadas, mas os que envolvem a vacina do Butantan estão se destacando pela quantidade de informações falsas que rondam o imunizante.
— Isso ocorre com todas as vacinas, mas por ter muita desinformação circulando contra a CoronaVac, ela fica mais em evidência — diz.
A desconfiança em torno da CoronaVac ocorre desde o ano passado, quando o imunizante entrou no centro da disputa política entre Doria e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Desenvolvida pelo Instituto Butantan em parceria com o laboratório chinês Sinovac, a vacina virou uma das bandeiras do governador de São Paulo no combate à covid-19, enquanto Bolsonaro passou a desacreditá-la publicamente, tratando-a por "vacina chinesa".
Além de desautorizar a compra da CoronaVac pelo Ministério da Saúde, em outubro passado, Bolsonaro celebrou a suspensão temporária de testes com o imunizante após a morte de um voluntário — que não teve relação com possíveis efeitos da vacina.
Este ano, o presidente já afirmou equivocadamente, mais de uma vez, que a CoronaVac "não deu certo" e que ela teria provocado problemas no Chile.
Por fim, Marco Antonio Stephano ressalta a importância das pessoas confiarem nas vacinas e se vacinarem.
— Essas coisas fazem com que os grupos antivacinas levantem sua bandeira e as pessoas não se vacinem. Mas são elas que estão salvando pessoas. Se demorarmos, vão surgir novas variantes que vão conseguir neutralizar as vacinas — alerta.
Reinfecção é possível?
Apesar de raras, já se sabe que reinfecções por covid-19 são possíveis. De acordo com um estudo publicado na revista científica The Lancet, em março, menos de 1% se contagia novamente com o coronavírus. Um outro estudo publicado na The Lancet em abril deste ano mostrou uma chance 84% menor de pegar o novo coronavírus para quem já foi contaminado.
Já uma outra pesquisa feita pela Fiocruz indicou que uma pessoa que é assintomática ou tem sintomas leves, como foi o caso de Doria, está mais propensa a ter uma segunda infecção, por não ter produzido uma resposta imunológica forte. O estudo, inclusive, encontrou indícios de que essa segunda infecção pode provocar sintomas mais fortes do que o primeiro contágio.
De acordo com Marco Antonio Stephano, as reinfecções são provocadas por variantes que conseguem driblar o sistema imune.
— Quanto mais a gente demora para vacinar as pessoas, mais surgem novas variantes e aumenta o risco de reinfecções — explica.
Autor é apoiador de Bolsonaro e costuma compartilhar desinformação
O autor do post, Alan Lopes, foi candidato a vereador do Rio de Janeiro pelo PSD em 2020 e, com 2.540 votos, não foi eleito. Ele é descrito como influenciador de direita por reportagem da Aos Fatos, que ressalta o perfil de Lopes nas redes sociais como propagador de notícias falsas. O Comprova tentou entrar em contato com ele, mas não recebeu nenhum retorno até a publicação desta verificação.
No Twitter, Lopes possui mais de 75 mil seguidores e se descreve como "cristão, conservador, casado, pai, empresário e defensor implacável da família tradicional". Ele é seguido pelo presidente Jair Bolsonaro, pelo vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) e pelo Secretário Especial de Cultura do governo federal, Mário Frias. Entre as postagens na rede social há a defesa à adoção do voto impresso, posts pró-armamento e críticas ao uso de máscaras e distanciamento social. Ele também afirma ser CEO do Instituto Intelectos, plataforma que alega que o Brasil é o maior protetor ambiental do mundo.
Lopes já compartilhou notícias falsas, como supostos documentos que comprovariam fraude nas eleições de 2018, e que a empresa responsável pela fabricação das urnas eletrônicas no Brasil teria sido vendida a uma companhia chinesa, desmentida por Aos Fatos, Agência Lupa e Estadão Verifica.
Por que investigamos?
A quarta fase do Comprova checa conteúdos suspeitos sobre o governo federal, eleições ou a pandemia que tenham atingido alto grau de viralização, como o caso da postagem verificada, que apresentou mais de 11,3 mil interações no Twitter.
Em julho de 2021, os participantes do projeto decidiram também verificar desinformações envolvendo possíveis candidatos à presidência da República. Desde então, o projeto tem monitorado nomes que vêm sendo incluídos em pesquisas dos principais institutos.
O Comprova já desmentiu afirmações equivocadas sobre imunização envolvendo a infecção do apresentador Rodrigo Faro mesmo após ter tomado a vacina contra a covid-19. Também foram verificadas postagens sobre a validade das doses da vacina Janssen doadas ao Brasil pelos EUA; que quem tomou Coronavac se protegeu pela metade; que a OMS não recomendou a aplicação de uma terceira dose da vacina e que um imunizante não precisa ser estudado por mais de dez anos para ser seguro.
A AFP Checamos publicou uma verificação no Twitter sobre o conteúdo.
Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.