Um estudo feito na Argentina aponta como evidência primária e mais robusta que a taxa de redução da carga viral entre 20 pessoas que tomaram ivermectina e 12 que receberam placebo é mesma. Isso comprova, portanto, que o fármaco segue sem apresentar efeito antiviral comprovado. Porém, não é bem isso o que os cientistas responsáveis pela pesquisa têm divulgado como achado principal do ensaio. O levantamento foi publicado neste mês, na revista científica E Clinical Medicine, publicação de menor porte pertencente ao The Lancet.
Dentro do subgrupo dos que receberam o remédio, os pesquisadores passaram a destacar que, quando fornecidas doses elevadas, na quantidade de 0,6 miligramas (para uma parasitose a dose usual é de 0,2 miligramas), aqueles que atingiram concentrações maiores do fármaco, tiveram uma redução da carga viral, segundo os cientistas. Especialistas ouvidos por GZH afirmam que o estudo tem suas qualidades, no entanto, é apontado que os responsáveis pelo levantamento erram ao tentar extrapolar para o campo da evidência o que ainda é uma análise exploratória.
Os ensaios foram aplicados em pacientes voluntários de quatro hospitais e centros de saúde argentinos. Foram recrutados 45 participantes, mas foram feitas as devidas análises de somente 32 pacientes, sendo que 20 receberam o fármaco e 12 foram medicados com placebo. A metodologia aplicada foi randomizada, mas não foi cega. Quer dizer, os voluntários e médicos sabiam quem tomava o remédio de verdade.
Segundo Alexandre Zavascki, médico infectologista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o estudo, que busca analisar o efeito antiviral in vivo da ivermectina, é piloto e exploratório. Ele ressalta que o problema não está na pesquisa em si, mas na supervalorização de um resultado ainda incipiente. Na seção achados do artigo, os cientistas escreveram que, dos 20 que receberam a dosagem, nove voluntários classificados com concentrações altas tiveram diminuição da carga viral.
— Isso significa que não foi encontrado nenhum efeito antiviral na ivermectina. O desfecho principal mostra que os resultados obtidos no grupo controle (que recebeu placebo) e nos que receberam o remédio é igual. Mas os autores não se conformaram com o dado obtido e torceram os números até encontrar um dado positivo. Neste caso, foi essa análise exploratória de que dos 20 que receberam o tratamento, nove tiveram redução da carga viral. Mas esse quantitativo é insignificante do ponto de vista clínico — observa Zavascki.
Lucia Pellanda, professora de Epidemiologia da Universidade Federal de Ciências da Saúde (UFCSPA), pontua que uma pesquisa bem-feita deve ser randomizada e cega, isso significa que nem o examinado nem o examinador sabem se o voluntário está recebendo o medicamento ou o placebo e que o grupo que receberá a substância em análise é sorteado.
Além disso, ela cita outros problemas metodológicos que o ensaio apresenta:
— Os grupos tinham perfis muito diferentes, o que dificulta saber se esse ponto positivo descoberto por eles é em função do remédio ou perfil do voluntário. A pesquisa tinha um tamanho de amostra muito pequeno para chegarmos à conclusão de algum desfecho clínico que efetivamente impacte a vida da população. E é preciso calma, porque esse resultado não pode ser extrapolado para falarmos de prevenção, por exemplo, porque o que ele apontou, preliminarmente e com grande risco de problemas metodológicos, é que há redução da carga viral de pessoas infectadas e somente em pessoas hospitalizadas. A análise dada não tem força para mudar a conduta clínica de uso deste fármaco.
A pesquisa foi apoiada pela bolsa Agência Nacional de Promoção de Pesquisa, Desenvolvimento Tecnológico e Inovação e Laboratório ELEA/Phoenix. Os estudos foram dirigidos pelo cientista Alejandro Krolewiecki , do Instituto de Pesquisa em Doenças Tropicais da Universidade Nacional de Salta (UNSa). E é composto também pelo Centro de Pesquisas Veterinárias (CIVETAN) da Universidade de Tandil, um instituto da Universidade de Quilmes, o laboratório privado Elea e o hospital Garrahan.
O professor da UFRGS ressalta ainda que a E Clinical Medicine é menos rigorosa quando comparada às grandes revistas científicas:
— Foi permitida essa supervalorização da análise exploratória, mas isso não é o adequado. Além disso, a pesquisa teve parceria com um laboratório que produz a ivermectina, isso pode ter influenciado a busca dos cientistas envolvidos por um dado positivo. O que importa é que o resultado principal mostra que a ivermectina não funciona.