Ainda que não seja autorizado pela Administración Nacional de Medicamentos, Alimentos y Tecnologia Médica (Anmat, equivalente à Anvisa), o uso de ivermectina para prevenção à covid-19 ou no tratamento de pacientes infectados com o coronavírus é adotado em cinco províncias da Argentina - Misiones, Corrientes, La Pampa, Salta e Tucumán.
Assim como no Brasil, a administração do medicamento cuja eficácia contra o Sars-CoV-2 não é reconhecida pela comunidade científica internacional é polêmica no país vizinho.
A publicação dos resultados de um estudo realizado por um consórcio de institutos de pesquisas na Revista "E Clinical Medicine", do grupo da "The Lancet", aprofundou o debate. Conforme esse trabalho, que ganhou repercussão graças a uma reportagem do jornal Clarín no domingo (20), a administração do medicamento "produz a eliminação mais rápida e profunda do vírus quando se inicia o tratamento em etapas precoces da infecção (até cinco dias desde o início dos sintomas)". O consórcio que realiza a pesquisa reúne o Instituto de Investigaciones de Enfermidades Tropicales, da Universidade Nacional de Salta (UNSa), o Centro de Investigación Veterinaria (Civetan) da Universidade de Tandil, um instituto da Universidade de Quilmes, o laboratório privado Elea e um hospital Garrahan.
A coluna conversou com o repórter Fabián Debesa, autor da reportagem do Clarín que deu visibilidade ao estudo. Com 25 de anos de atuação no jornal, o jornalista explicou que, além dessa pesquisa, há em andamento na Argentina pelo menos outras duas sobre ivermectina relacionada ao coronavírus.
- As amostras dos ensaios não são suficientemente amplas para que se tenha comprovação clínica. Têm uma amplitude muito limitada. Esse estudo sobre o qual publiquei a reportagem, por exemplo, tem amostragem de 50 casos. É pouco - afirma Debesa, que é correspondente do jornal em La Plata.
Entretanto, ele explica que a publicação dessa pesquisa em uma revista internacional e os demais trabalhos de pesquisa reforçam a posição de quem defende a ivermectina como parte da prevenção e tratamento contra a covid-19.
- Os que defendem a aplicação da ivermectina asseguram que esse ensaio e as outras publicações estão todos indo para o mesmo lado. Mas insisto: os estudos que existem são demasiado limitados para os standards, para que seja avalizado por organismos de controle - salienta.
Debesa explica que o objetivo de sua reportagem foi mostrar que um dos estudos vem se destacando, ao passar por diferentes etapas. Ele acompanha a evolução da pesquisa desde abril: primeiro, uma equipe multidisciplinar foi formada; em seguida, o grupo obteve financiamento; houve o início dos ensaios e a divulgação dos primeiros resultados. A publicação internacional, seria, segundo ele, um novo passo, quando a pesquisa é analisada por pares científicos.
O repórter destaca que os cientistas envolvidos são reconhecidos nacional e internacionalmente. O coordenador, Alejandro Krolewiecki, por exemplo, tornou-se famoso no país ao motivar a administração de ivermectina contra piolhos em crianças pobres.
O jornalista destaca que, diferentemente do Brasil, o debate sobre o uso do medicamento contra a covid-19 não é ideológico. Das cinco províncias que permitem o uso, quatro são administradas por governos ligados ao peronismo (movimento do presidente Alberto Fernández) e um pela União Cívica (UCR, de direita).
- Não tem nada a ver com o aspecto ideológico, com quem é de direita ou não. Aqui, a disputa está centrada mais no fato de o dono do laboratório que fabrica o medicamento ser uma pessoa muito próxima ao governo. Então, pode parecer que todas essas publicações são impulsionadas por certos interesses - diz.
Trata-se de Hugo Sigman, proprietário do laboratório Elea, um dos envolvidos no consórcio que realizou a pesquisa com a ivermectina. O empresário e psiquiatra, com laços históricos com o Partido Comunista, é dono de um império farmacêutico que se estende por países como Vietnã, Rússia, Espanha, Marrocos e Paraguai. O trabalho sobre ivermectina, do qual o Elea é parte, é financiado pelo Ministério de Ciência e Técnica do governo Fernández.
O jornalista explica que, na Argentina, não há debate sobre o suposto "kit covid", defendido por setores ligados ao governo Jair Bolsonaro. Tampouco o uso de cloroquina ou hidroxicloroquina domina os debates públicos.
- Aqui, quem promove isso (hidroxicloroquina) não recebe nenhuma importância. Considera-se que essa é uma questão ruim, que tem má fama. Inclusive toda essas pessoas que investigam a ivermectina não querem ser comparadas com quem promove hidroxicloroquina - afirma.
A Anmat considera que não há evidências científicas claras e que os estudos feitos até o momento não contam com número suficiente de pacientes que demonstre eficácia clínica do uso da ivermectina contra a covid-19. A Sociedade Argentina de Infectologia (Sadi) desaconselha seu uso para tratamento ou prevenção do coronavírus. A Organização Mundial da Saúde (OMS) reforça que o medicamento só deve ser usado para tratar o coronavírus em ensaios clínicos, com ambiente controlado e que evidências sobre o uso do medicamento são "inconclusivas".