Por Felipe Cezar Cabral
Coordenador Médico de Saúde Digital do Hospital Moinhos de Vento
A pandemia fez as pessoas repensarem relações, hábitos e o cuidado com a saúde. Passamos a escolher a quais situações vamos nos expor. Reuniões de trabalho, aulas, confraternizações e até consultas médicas agora são realizadas em ambiente virtual. Com medo da covid-19, pacientes evadiram dos hospitais e clínicas. E médicos e profissionais da assistência precisaram adotar como rotina a comunicação e a análise digital, comuns em outros setores há décadas.
Com a regulamentação da telemedicina no Brasil, os pacientes ficaram mais confortáveis com a possibilidade de receber o diagnóstico e o tratamento em casa. No último ano, o Hospital Moinhos de Vento realizou 50 mil teleatendimentos, o equivalente a 30% de todas as consultas de 2019. As visitas remotas envolveram de oncologistas, pneumologistas e infectologistas até psiquiatras e psicólogos. Ambulatórios digitais de cardiologia e de nutrição foram criados com foco no cuidado de pacientes crônicos e na prevenção de doenças.
A jornada híbrida do indivíduo permite que profissionais da saúde monitorem hábitos como alimentação e atividades físicas, além de exames e consultas de rotina, garantindo uma atuação preventiva. Para entregar uma saúde de qualidade, hospitais e clínicas ampliam o acesso aos serviços médicos e assistenciais. Instituições que cuidam de doentes estão saindo dos seus espaços físicos para dentro das casas e para os ambientes de trabalho. Estão cada vez mais presentes até nos momentos de lazer e nas férias, com a missão de fazer com que as pessoas não virem pacientes. O foco é o indivíduo.
Nos EUA, pesquisa da revista Forbes revelou que 80% dos médicos consideram a telemedicina um formato melhor para acompanhar pacientes crônicos. Em Portugal, levantamento do Hospital da Luz apontou que adultos sem problemas de saúde consultam com seus médicos uma vez ao ano, enquanto os que têm doenças crônicas podem necessitar de até 12 visitas. Entre as vantagens do atendimento remoto estão a conveniência, a potencial redução de custos e uma maior aderência aos tratamentos.
No Brasil, onde 150 milhões de pessoas dependem do SUS, a tecnologia permite expandir especialidades a distância e monitorar pacientes crônicos. Também amplia o apoio à rede de atenção básica com a teleinterconsulta – ferramenta para a troca de informações e opiniões entre equipes de saúde. No Rio Grande do Sul, o projeto TeleOftalmo, uma parceria com o Ministério da Saúde, realizou 30 mil atendimentos, distribuiu 10 mil óculos e resolveu 70% dos problemas sem a necessidade de uma consulta presencial com o oftalmologista.
Por outro lado, a necessidade de dispositivos tecnológicos e de boa conexão escancarou as desigualdades sociais. É preciso priorizar investimentos em banda larga e equipamentos para ter a adesão de populações vulneráveis ao atendimento remoto. Além disso, profissionais, instituições e empresas devem estar adequados à Lei Geral de Proteção de Dados e atentos à segurança das informações no ambiente cibernético.
Em termos de qualidade assistencial, os médicos devem ser experientes, muito bem qualificados e seguir protocolos. A ausência de exame físico presencial e o uso da telepropedêutica requerem expertise elevada e são barreiras para os recém-formados, sem acompanhamento.
São desafios superáveis, mas que exigem soluções urgentes. A demanda por atendimento online está crescendo e deve continuar assim depois da pandemia. A estimativa do McKinsey Global Institute é de que as receitas da saúde digital passarão de US$ 350 bilhões em 2019 para US$ 600 bilhões em 2024. Startups, hospitais, seguradoras, farmácias e gigantes da tecnologia como Amazon, Apple e Google se desdobram para fornecer esses serviços e garantir uma fatia do mercado. Para além das cifras, há algo mais importante: a consolidação da tecnologia como aliada na construção de uma jornada digital no cuidado com a vida.