Por Sérgio L. Amantéa
Presidente da Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul (SPRS)
A pandemia acelerou processos e a sociedade se viu obrigada a buscar alternativas rápidas para viabilizar comportamentos mais seguros de convivência. Numa crise sanitária nunca vista por nossas gerações, saúde ganhou status de patrimônio. Muitas iniciativas de telessaúde se difundiram, principalmente aquelas dotadas de interações de áudio e vídeo (teleconsultas ou teleorientações). Essas se tornaram uma necessidade, a ponto de motivarem uma regulação específica, mas ainda temporária, que contribuiu para a maior adesão de profissionais e usuários.
A ferramenta foi incorporada à rotina dos consultórios. A condição universal e inquestionável de usabilidade, que sempre foi argumento favorável para a utilização, viu-se justificada: “levar o cuidado de saúde para pacientes onde o serviço não possa ser oportunizado”.
Na realidade, a pandemia transformou nossos hábitos sociais e diminuiu nossas oportunidades de acesso à assistência. Na pediatria, o resultado não foi diferente, entretanto o assunto ainda carece de reflexão. O melhor lugar para a criança receber cuidado médico é o consultório do pediatra. A Academia Americana de Pediatria é explícita nesse posicionamento, que tem encontrado eco em nossas sociedades científicas (SPRS e SBP).
As consultas de vídeo permitem ao médico observar o nível de atividade, o padrão da respiração, a interação com o ambiente e o estado geral de saúde da criança. Contudo, possuem a limitação intrínseca em firmar diagnósticos e estabelecer tratamentos específicos quando dependentes de um exame físico detalhado. Nessas situações, o encaminhamento para um local onde possa haver atendimento presencial é o correto.
Além disso, o atendimento pediátrico possui particularidades que aumentam sua vulnerabilidade assistencial. Muitas vezes nossos pacientes não falam, não informam, não possuem sequer habilidades cognitivas. O atendimento é conduzido por procuração. Essas prerrogativas reforçam a importância de um exame físico completo quando a consulta é motivada por alguma queixa clínica.
Estamos aprendendo que a teleconsulta pode ser uma ferramenta interessante e útil, uma parceira do pediatra no acompanhamento de seus pacientes. A nova “experiência virtual” que médicos e pacientes têm explorado neste novo cenário de pandemia deve contribuir para que muitas barreiras contrárias à sua incorporação sejam revistas. Portadores de doenças crônicas, revisões assistenciais, orientações para pacientes fora do domicílio geográfico e acompanhamento ou intervenções na área da saúde mental são exemplos que demonstram potencialidades e qualificação à assistência. Aspectos normativos claros que garantam a segurança e a privacidade do paciente, além de políticas de remuneração para esse tipo de serviço, têm contribuído para a difusão da rotina em outros países e necessitam avançar no Brasil. Desde que respeitados os preceitos de qualificar a assistência, as iniciativas de telessaúde podem ganhar espaço no período pós-pandemia.
Como membros da população, usuários de diferentes sistemas de saúde (públicos ou privados), devemos ficar atentos para que a finalidade da iniciativa não seja deturpada. Em centros com recursos mais avançados, capazes de incorporar tecnologias de ponta a serviço da semiologia, a consulta presencial ainda é considerada insubstituível. Os processos são complementares, não devem ser considerados alternativos ou substitutivos na universalidade. Para que possam ser consolidados e venham a beneficiar nossos pacientes, a ferramenta no período pós-pandemia deve trabalhar alinhada à orientação médica. Um recurso para que o médico possa gerenciar adequadamente a saúde de seus pacientes.
É uma rotina terapêutica complementar, não uma rotina substitutiva transviada de evolutiva, incorporada apenas para reduzir custos. Esse é o diferencial que provavelmente norteará as chances de que esse modelo assistencial ganhe sustentabilidade e credibilidade, tanto de médicos quanto de seus pacientes no período pós-pandemia.