Está em curso a investigação sobre a morte de uma mulher grávida, do Rio de Janeiro, que tomou a vacina contra a covid-19 da Universidade de Oxford/AstraZeneca e desenvolveu quadro de trombose. No momento, se estuda o histórico de saúde da paciente e, principalmente, se é possível estabelecer relação de causalidade entre a aplicação do imunizante e o óbito.
Em meio a essa investigação, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já orientou a suspensão do uso dessa vacina em mulheres grávidas. No Rio Grande do Sul, ainda na manhã desta terça-feira (11), a Secretaria Estadual da Saúde (SES) e a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) da Capital também anunciaram a suspensão do uso do imunizante e estenderam essa proibição para as puérperas.
GZH conversou com Eduardo Sprinz, coordenador do estudo com a AstraZeneca no Estado e chefe do serviço de Infectologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), e com Juliane Fleck, coordenadora do mestrado em Virologia da Feevale, para saber quais as recomendações de uso do imunizante em gestantes e puérperas e os cuidados a serem tomados.
O que grávidas e puérperas que estão no aguardo da segunda dose da vacina da Oxford/AstraZeneca devem fazer?
A recomendação de Juliane é aguardar uma posição da Anvisa sobre a investigação que está sendo feita. Por outro lado, Sprinz aconselha a manutenção do calendário de vacinação para aquelas que já tomaram a primeira dose, já que os riscos provocados pela covid-19 são maiores do que eventuais efeitos da vacina. Porém, assim como Juliane, ele reforça a importância do acompanhamento médico para monitorar a paciente e também para avaliar individualmente a relação risco-benefício ao decidir por se vacinar ou não.
A SES afirmou, por meio de nota, que “as gestantes que já realizaram a primeira dose com essa vacina devem aguardar novas informações com relação à aplicação da segunda dose (D2)”. O intervalo entre as imunizações é de 12 semanas. A SMS reforçou que, como faz pouco tempo que a imunização para esses grupos foi iniciada, “ainda não se passaram as 12 semanas para que elas recebam a segunda dose. A gente ainda tem um tempo para passar informações”.
A Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Rio Grande do Sul (Sogirgs) comentou o caso por meio de nota. Apesar de não se posicionar objetivamente a favor da continuidade da vacinação com a segunda dose, diz que "o risco de necessidade de suporte ventilatório, UTI e mortalidade neste grupo supera em muitas vezes o possível risco de trombose venosa cerebral que pode estar associado à vacina". Segundo a entidade, "a escolha entre vacinas é possível, o que não é possível é submeter nossas gestantes e puérperas a um risco sério de morte ao negá-las a vacinação".
Quando podem surgir efeitos adversos mais graves?
De acordo com o coordenador do estudo clínico da Oxford/AstraZeneca no Estado, as complicações podem aparecer em até três semanas após a imunização. Depois desse período, as chances de algo acontecer são nulas.
Dá para fazer a segunda dose com a vacina da Pfizer ou CoronaVac, mesmo tendo tomado a primeira da Oxford/Astrazeneca?
A coordenadora do mestrado em Virologia da Feevale afirma que essa alternativa não é a ideal. Isso porque não há avaliação de segurança de nenhuma das outras vacinas usadas no Brasil em gestantes e puérperas. Segundo Juliane, o mais adequado é esperar um parecer da Anvisa sobre o caso e avaliar com seu médico a realização ou não da segunda dose, quando o período se aproximar.
O que se sabe sobre os efeitos adversos da vacina da Oxford/AstraZeneca em gestantes e puérperas?
De acordo com Sprinz, a ciência não sabe quais são os efeitos adversos desse imunizante nessas duas populações porque nenhum ensaio clínico realizado contemplou essas duas categorias. Ele afirma que é preciso estudar as vacinas nesse aspecto. Ele ressalta que nenhuma vacina utilizada atualmente tem dados completos divulgados sobre os efeitos em grávidas e puérperas.
Quais os riscos em geral da Oxford/AstraZeneca?
O efeito adverso mais raro e sério em relação a esse imunizante é, justamente, a coagulação do sangue. Pacientes com baixa contagem de plaquetas têm um risco geral de uma a cada 250 mil pessoas vacinadas de desenvolverem essa reação, diz o coordenador do estudo no HCPA. Ele pontua que a tecnologia de vetor viral do imunizante é nova e está sendo estudada. Vale dizer que essa metodologia se baseia na utilização de outro vírus modificado como suporte para transportar no organismo as informações capazes de gerar anticorpos contra a covid-19.
O que diz a bula do imunizante sobre o uso em gestantes?
Ela alerta para a falta de estudos para a vacinação em grávidas. Nos ensaios de fase 3, ele não foi testado nesse grupo. Assim como nenhum outro imunizante hoje ministrado em gestantes e puérperas foi testado nesses grupos, aponta Sprinz. Somente pesquisas preliminares da Pfizer/BioNTech não apresentaram riscos a mulheres grávidas.
A reportagem contatou o Ministério da Saúde para saber o motivo pelo qual o uso foi liberado para esses dois grupos, mas não obteve resposta.
Como fica a situação das mulheres grávidas ou puérperas que ainda não se imunizaram?
Tanto Sprinz, quanto Juliane reforçam que nenhum imunizante usado atualmente tem dados científicos completos e publicados sobre a vacinação em mulheres grávidas e/ou puérperas. A ciência ainda está em busca de resultados no que tange essa parcela populacional. A SMS, por sua vez, orienta a imunização com a Pfizer/BioNTech. A SES não se manifestou sobre o assunto.
Por que grávidas e puérperas são populações de risco para o Ministério da Saúde?
Mulheres nessas condições são consideradas populações de risco porque elas têm maior dificuldade no retorno venoso em função do aumento de peso na região da pelve, explica Juliane. Isso faz com que, no final da gravidez, por exemplo, haja o inchaço das pernas e dos pés, já que a circulação está prejudicada. Ela aponta ainda que se somam a isso as alterações hormonais deste período, que podem facilitar a formação de coágulos.
O que diz a Organização Mundial da Saúde (OMS)?
A entidade afirmou, em abril, que não existem dados robustos para uma decisão sobre o uso das vacinas em grávidas. Por isso, reforça que as orientações sobre o tema serão atualizadas quando os dados das pesquisas se tornarem disponíveis. A OMS disse ainda que a imunização desses grupos é válida se os “benefícios da vacinação superarem os riscos potenciais, como atividades ocupacionais com alto risco inevitável de exposição, e mulheres grávidas com comorbidades”.
A OMS alertou que a vacinação para mulheres grávidas deve ser considerada individualmente após consulta com o médico.