O Ministério da Saúde violou acordo de confidencialidade e também divulgou o contrato para compra de vacinas da Janssen contra covid-19. O documento ficou exposto no site da pasta até o começo de abril, apesar da cláusula que prevê o sigilo das informações por 10 anos, sob pena de romper com a compra.
O governo federal acertou a aquisição de 38 milhões de doses da vacina da Janssen em 19 de março, por R$ 2,139 bilhões. Cada dose custou US$ 10 - valor que também deveria estar resguardado.
A pasta ainda divulgou o contrato de compra de 100 milhões de doses da Pfizer, também por US$ 10 por unidade, erro revelado pela rádio CBN. Após a divulgação da notícia, este documento foi retirado do ar.
O documento da Janssen também foi retirado da página do ministério que centraliza os contratos firmados na pandemia, mas podia ser encontrado dentro do portal da Saúde até o começo de abril. Uma simples pesquisa no Google por "contrato+Janssen+pdf" já levaria ao link.
A imunização com a vacina da Janssen exige apenas a aplicação de uma dose. O produto tem 66,9% de eficácia para casos leves e moderados e 76,7% de eficácia para casos graves, após 14 dias da aplicação. O volume comprado pelo Ministério da Saúde deve chegar ao Brasil apenas no último trimestre de 2021.
O acordo com o Ministério da Saúde tem 89 páginas e foi redigido em inglês e português. Há cláusula específica sobre "confidencialidade". Nesta etapa, o governo "reconhece e concorda" que os dados do contrato "constituem informações confidenciais, financeiras, científicas e/ou técnicas fornecidas ao Governo Comprador em sigilo". Os dados também são tratados como "informações competitivamente sensíveis e exclusivas da Janssen que, se divulgadas ou de outro modo disponibilizadas ao público, resultariam em prejuízo competitivo significativo e perda indevida para a Janssen e suas Afiliadas".
O ministério já negou a divulgação ao mesmo contrato por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), alegando justamente que há acordo de confidencialidade por 10 anos.
Pelo documento, o governo deverá assumir qualquer indenização relacionada à vacina, como de efeitos colaterais não esperados. Trata-se de cláusula também prevista no contrato com a Pfizer, que foi alvo de críticas do presidente Jair Bolsonaro e do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello.
— Lá no contrato da Pfizer está bem claro: "Não nos responsabilizamos por qualquer efeito colateral. Se você virar um jacaré, é problema de você" — afirmou o presidente, em 17 de dezembro do ano passado.
O governo usou essa exigência como argumento para negar a compra dessas vacinas por meses. Como revelou o Estadão, um dispositivo para destravar os contratos com a Janssen e a Pfizer foi inserido em minuta da medida provisória 1026/2021, com respaldo da Saúde, mas acabou excluído da versão final, publicada em janeiro. Assim, o contrato só foi fechado em março, após o Congresso aprovar uma lei para permitir que a União assuma riscos e custos de qualquer efeito da vacina.
O contrato obtido pelo Estadão também cita que a Janssen está desenvolvendo uma "estrutura", formada por auditores de uma empresa, para determinar o preço global da vacina contra a covid-19. Assim, o valor do contrato poderá ser revisado. Há previsão de que a Janssen reembolse o governo, caso o novo valor seja inferior ao acordado no contrato.
O governo ainda aceitou a condição de que o contrato pode ser rescindido, caso haja uma "violação substancial" das cláusulas que não seja resolvida em até 90 dias. Com a rescisão, o governo poderia devolver as vacinas já recebidas. Outra obrigação seria excluir todas as informações sobre o acordo de computadores do ministério. Procurada, a Janssen não quis se manifestar sobre a violação do sigilo do documento. Já o Ministério da Saúde não respondeu aos questionamentos da reportagem.