Se o presidente Jair Bolsonaro está mesmo preocupado com a economia, como disse incontáveis vezes ao condenar restrições impostas por governadores e prefeitos, deveria ter pensado duas vezes antes de fazer as manifestações que fez durante uma cerimônia em Porto Seguro (BA), nesta quinta-feira (17). Não contente em anunciar que não vai se vacinar contra a covid-19, o presidente da República disse frases que remetem ao início do século passado, quando ocorreu a célebre “revolta da vacina”, no Rio de Janeiro.
Depois de saber que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidira pela obrigatoriedade da vacina contra a covid-19, Bolsonaro declarou:
— Eu não vou tomar (a vacina). Alguns falam que estou dando péssimo exemplo. O imbecil, o idiota que está dizendo que eu dou péssimo exemplo, eu já tive o vírus. Eu já tenho anticorpos. Para que tomar a vacina de novo? — disse o presidente.
E emendou, pouco depois:
— Se você virar um chipan... se você virar um jacaré, é problema de você, não vou falar outro bicho aqui para não falar besteira. Se você virar o super-homem, se nascer barba em alguma mulher aí ou um homem começar a falar fino, eles (os laboratórios) não têm nada a ver. E o que é pior, mexer no sistema imunológico das pessoas, como você pode obrigar alguém a tomar uma vacina que não se completou a terceira fase ainda? Que está na experimental?
A Revolta da Vacina foi um motim popular ocorrido entre 10 e 16 de novembro de 1904, no Rio de Janeiro, à época capital do Brasil. O estopim foi a lei que determinava a vacinação obrigatória contra a varíola, mas a insatisfação incluía as reformas urbanas do prefeito Pereira Passos e as campanhas de saneamento lideradas pelo médico Oswaldo Cruz. O cientista dá nome à fundação que vai produzir uma das vacinas contra a covid-19, no Rio.
Mais de cem anos depois, quando o mundo celebra o início da vacinação contra o vírus que paralisou o planeta em 2020, Bolsonaro dá ao mundo uma demonstração de desconhecimento ao se julgar imunizado, por já ter tido covid-19, e levantar suspeitas infundadas que podem estimular brasileiros menos informados a fugir da vacina.
Se o Brasil não conseguir debelar a covid-19, doença que matou mais de 184 mil brasileiros neste ano — 1.092 nas últimas 24 horas — a economia será afetada.
Quem aposta na vacina como caminho para salvar a economia não são apenas os críticos do negacionismo de Bolsonaro e de seus seguidores. É o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, descendente de um dos liberais mais respeitados do Brasil.
Culto, inteligente e com formação acadêmica em instituições de primeira linha, Campos Neto defendeu o investimento na vacina como caminho para a retomada segura do crescimento econômico. Fez as contas elementares e concluiu o óbvio: que é mais barato vacinar todos os brasileiros do que pagar auxílio emergencial aos que ficarem sem renda se a pandemia se estender.
Aliás
Se insistir em não se vacinar, o presidente brasileiro corre o risco de se tornar um pária internacional e ser impedido de entrar me países que exigirão o comprovante de imunização, mesmo de quem tem passaporte diplomático.