Informações preliminares de um estudo do Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) que investiga a redução do aparecimento de sintomas da covid-19 e do risco de internação dos pacientes infectados pelo coronavírus relacionada à aplicação da vacina tríplice viral (contra sarampo, caxumba e rubéola) têm motivado grande procura pelo imunizante na rede privada.
A Associação Brasileira das Clínicas de Vacinas (ABCVAC) já relata dificuldade para reposição em alguns pontos do país. Sete de 10 estabelecimentos de Porto Alegre consultados por GZH na manhã desta segunda-feira (29) informaram não dispor das doses, no momento. A tríplice viral integra o Plano Nacional de Imunização (PNI) e está disponível gratuitamente nos postos de saúde. São previstas duas doses para crianças a partir de 12 meses, e adolescentes e adultos também podem tomá-las.
Especialistas recomendam cautela por conta da falsa sensação protetora que um imunizante avaliado para outros fins pode provocar e atentam para o fato de que o estudo ainda não tem dados e conclusões bem conhecidos e compartilhados com a comunidade científica. Até agora, apenas duas vacinas contra a covid-19 estão autorizadas para distribuição no país: a de Oxford/AstraZeneca e a CoronaVac.
Questionado por GZH, o Ministério da Saúde não respondeu, até o fechamento desta reportagem, se constatou aumento da procura pelo imunizante distribuído pelo Sistema Único de Saúde (SUS) nos últimos meses e se há previsão de abalo ao andamento do PNI. A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Porto Alegre informou que estoque e procura estão normais nas unidades de atendimento. Quanto a orientações aos municípios, a Secretaria Estadual da Saúde (SES) respondeu, por meio de sua assessoria de comunicação, que "não há comprovação científica sobre isto. Se houvesse, o próprio Instituto Butantan, que produz a vacina tríplice viral, providenciaria que se fizesse uso. Há um calendário nacional de vacinação, com cronograma formulado pelo Ministério da Saúde".
A pesquisa da universidade catarinense, intitulada "Eficácia da Vacina MMR na Prevenção ou Redução da Severidade da Covid-19" e liderada pelo médico ginecologista e obstetra Edison Natal Fedrizzi, envolve voluntários da área da saúde. A previsão de finalização era para este mês, mas Fedrizzi disse que o artigo deve ser publicado na segunda metade de abril. Apesar de a assessoria de imprensa da universidade ter repassado a GZH o número do celular do médico, ele escreveu, em mensagem de WhatsApp, que "por orientação da UFSC, só voltaremos a discutir o assunto após a publicação".
Desde janeiro, uma reportagem publicada no site do governo do Estado de SC, assinada pela assessoria de imprensa da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de SC (Fapesc), citando trechos da "Nota Prévia – Análise Interina de Dados”, vem provocando grande repercussão. "Estes resultados são bastante animadores, pois trata-se de uma vacina não específica para o novo coronavírus, mas que mostrou resultados de eficácia semelhante a algumas vacinas específicas divulgados recentemente. Em hipótese alguma a vacina tríplice viral irá substituir a vacina específica. No entanto, seria muito útil se fosse possível vacinar os grupos não prioritários com esta vacina até que tenhamos a disponibilidade de vacinar toda a população com as novas vacinas contra a covid-19”, diz a nota, conforme o site.
— Não é a análise final. No decorrer do estudo, vamos fazendo algumas análises para avaliar possíveis efeitos colaterais e a eficácia do tratamento. Quando a gente tem um resultado significante, que está demonstrando a realidade, já começamos a divulgar porque provavelmente ele vai se manter ou melhorar até o final do estudo — explicou Fedrizzi ao site, na época.
Em 10 de março, a UFSC e a Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis divulgaram nota de esclarecimento (leia íntegra abaixo) sobre a pesquisa, negando que a tríplice viral se trate de "imunizante equivalente àqueles voltados à vacinação preventiva contra o coronavírus" ou de "tratamento precoce". "Na fase atual, há respostas animadoras, mas que ainda dependem de etapas fundamentais para que venha a ser aprovada e validada", lê-se no texto.
Presidente da ABCVAC, Geraldo Barbosa, proprietário de três estabelecimentos em Minas Gerais e no Rio de Janeiro, estima em 30% o aumento na procura pela tríplice viral, nitidamente iniciado após a circulação de notícias na imprensa. Barbosa lamenta que a população, em um momento de séria crise sanitária e por desespero ou desinformação, esteja "acreditando em tudo".
— Quando tem uma demanda assim, você começa a expor a risco os pacientes com necessidade desse imunizante. Como empresa privada, a clínica não pode se negar a fornecer. Mesmo que a pessoa não tenha necessidade, você tem que dar. Deixar de oferecer para quem precisa e oferecer a quem está procurando porque ouviu em uma reportagem nos preocupa mais — destaca o presidente.
— Essa busca não tem sentido lógico neste momento. A divulgação deveria ser após a conclusão do estudo. Todo cuidado é pouco. Qualquer tratamento ou vacina, sem ter eficácia comprovada, não vale. A única saída que temos para a pandemia são as vacinas que foram aprovadas. É nisso que temos que acreditar, e não tentar tratamento alternativo — complementa.
Barbosa contabiliza que 20% dos associados da entidade enfrentam dificuldades para adquirir a tríplice viral — que, no caso da rede privada, é comprada no Exterior, ficando a produção nacional para o sistema público.
— Eu tinha um estoque que garantia (o fornecimento por) quatro meses e hoje não tenho mais para 30 dias. Era uma vacina sem uma demanda alta, e agora não estou conseguindo reposição. A produção demora, não é algo que se aumenta da noite para o dia — conta o administrador.
Localizada na zona norte da Capital, a Imunoclin recebeu um total de 150 doses há duas semanas. Segundo o distribuidor informou à clínica, tamanha demanda não era esperada.
— Jovens adultos estão lá atrás na fila de vacinação da covid-19 e vêm aqui falando da pesquisa — fala o diretor da Imunoclin, Gustavo Machado.
A rede pública destina as doses somente a quem não as recebeu anteriormente. Crianças, adolescentes, adultos ou idosos que já tenham sido vacinados com a tríplice viral em qualquer momento da vida não têm direito a uma segunda imunização, reforça a SMS. O SUS atende crianças a partir de 12 meses. Dessa idade até 29 anos, o paciente recebe duas doses. Com 30 anos ou mais, a proteção se dá em aplicação única. Para quem está acima de 59 anos, a rede pública não fornece mais a vacina — fator que tem levado também idosos às clínicas particulares.
Nota de esclarecimento da UFSC e da Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis divulgada em 10 de março
"A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e a Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis esclarecem, quanto à pesquisa 'Eficácia da Vacina MMR na Prevenção ou Redução da Severidade da COVID-19', desenvolvida por pesquisadores da UFSC que:
1. Não se trata de imunizante equivalente àqueles voltados à vacinação preventiva contra o Coronavírus, produzidos por exemplo, pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e Instituto Butantan;
2. Também não se configura como “tratamento precoce” da doença, do mesmo modo como alguns medicamentos são divulgados, sem contudo terem sua eficácia cientificamente comprovada;
3. Trata-se de uma pesquisa preliminar, iniciada em 2020, a partir do uso de imunizante constante do calendário regular de vacinação, a Vacina Tríplice Viral (MMR), que, por ora, demonstra resultados animadores, na estimulação da imunidade inata, com possibilidade de prevenir a infecção pelo novo Coronavírus ou diminuir sua severidade por diminuição da carga viral;
4. Na fase atual, há respostas animadoras mas que ainda dependem de etapas fundamentais para que venha a ser aprovada e validada, para ser utilizada junto à população.
Neste sentido, a UFSC e a Secretaria Municipal de Saúde alertam para que não haja qualquer movimento de procura junto a postos de saúde e nem autorizam ou recomendam a procura em clínicas privadas, uma vez que, caso haja a definição por seu uso em meio à Pandemia da COVID-19, haverá campanhas oficiais dos órgãos sanitários no sentido de orientar devidamente a população sobre grupos, datas e locais de acesso.
Não se deixe levar por notícias falsas ou promessas de tratamento.
Confie na Ciência e busque fontes oficiais de informação."
* Colaborou Iarema Soares