A saturação dos ventiladores mecânicos, fundamentais para a respiração de pacientes graves de covid-19, é o mais recente drama ocasionado pelo pico da pandemia na rede hospitalar do Rio Grande do Sul.
A taxa de uso dos equipamentos está no limite e alguns dos ventiladores colocados em funcionamento não são os de alta performance, mais adequados para a necessidade do paciente de covid-19. Há casos de infectados que estão recebendo auxílio respiratório com instrumentos inferiores às necessidades clínicas. Diante do quadro, profissionais de saúde relatam que óbitos que eventualmente poderiam ser evitáveis já estão ocorrendo no Estado por conta do esgotamento do sistema de saúde e da escassez de respiradores de alta performance.
Referência no atendimento aos pacientes da covid-19, o Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) é um dos que convive com a situação. O problema não é a quantidade. Nesta segunda-feira (8), havia 167 respiradores para 120 pacientes em ventilação mecânica. A questão é a qualidade: o Clínicas dispõe de 105 ventiladores de alta performance, e os outros 62 são de potência menor. Ou seja, o equipamento de primeiríssima linha está em falta, o que pode prejudicar o atendimento de doentes graves da covid-19.
— A realidade de pacientes necessitarem de mais recursos do que temos disponíveis já está imposta. Se a gente fosse mapear todos os pacientes que se beneficiariam de ter um ventilador melhor, ficaria muito claro que a gente já tem óbitos evitáveis. O sistema de saúde não tem capacidade para lidar com o volume da pandemia nessa magnitude — diz Jeruza Lavanholi Neyeloff, médica epidemiologista e assessora da Diretoria Médica do HCPA.
Ela explica que o monitoramento do quadro clínico de internados é constante para verificar quais estão aptos a serem ventilados por equipamentos de menor potência, deixando os melhores para os casos mais agudos da covid-19. Jeruza diz que existe, hoje, o risco de chegarem pacientes com necessidade de ventilação potente, mas não haver equipamento disponível.
— A gente precisa de mais ventiladores, mas, além disso, precisamos que a demanda pare de crescer. Tem um recurso que eu não consigo mais ampliar: as pessoas que sabem mexer nesses equipamentos. Não é ligar uma máquina e apertar play. Há uma série de parâmetros complexos. Nossos médicos intensivistas estão trabalhando muito acima do limite — afirma Jeruza.
A gente precisa de mais ventiladores, mas, além disso, precisamos que a demanda pare de crescer
JERUZA LAVANHOLI NEYELOFF
Médica epidemiologista e assessora da Diretoria Médica do HCPA
A luz de alerta também está ligada no Hospital Nossa Senhora da Conceição, do Grupo Hospitalar Conceição (GHC), na Capital. Na tarde desta segunda-feira (8), dos 75 respiradores de UTI adulto disponíveis na instituição, todos de alta performance, 66 estavam ocupados. O Conceição ainda conta com 30 respiradores de transporte, de menor capacidade, enviados pelo Ministério da Saúde, dos quais 21 já estão em operação. Esses equipamentos estão sendo usados na emergência, para atender pacientes que já chegam necessitando de ventilação.
O Conceição tem 256 leitos exclusivos para a covid-19, somando os clínicos e as UTIs. A demanda pelos ventiladores está suprida no momento, mas o diretor-presidente do GHC, Cláudio da Silva Oliveira, diz que não está garantida a oferta dos equipamentos caso a demanda continue crescendo.
— Nós temos respiradores, não precisaríamos de mais (agora). Mas vamos chegar num determinado momento que, caso o número continue crescendo desta forma, não vamos ter condições. Não há perna, é humanamente impossível. Estamos no limite — avalia Oliveira.
A escassez de ventiladores não é exclusividade da Capital. A macrorregião de saúde dos Vales — que abrange cidades como Lajeado e Santa Cruz do Sul — tinha todos os seus 149 aparelhos de UTI ocupados na tarde desta segunda-feira. Na Serra, os estoques estão acabando, com 295 dos 341 ventiladores ocupados neste início de semana.
No Hospital Centenário, em São Leopoldo, 21 respiradores estão em uso, sendo que a oferta na UTI adulto é, originalmente, de 16 aparelhos. Foi necessário retirar instrumentos de outros setores do hospital, como do bloco cirúrgico, para atender a demanda. A presidente do Hospital Centenário, Lilian Silva, diz que “vive-se a cada hora o risco” de pacientes graves ficarem sem ventiladores. Diante da crise, ela visualiza poucas soluções e critica a “ausência de gerenciamento” do governo federal e também do estadual. Destaca entraves para resolver por conta própria a crise no Hospital Centenário, a começar pelo custo elevado dos equipamentos, passando pela sobrecarga de equipes médicas e pela falta de espaços com estrutura adequada.
Outro empecilho, mesmo para hospitais com dinheiro em caixa para investir, é que não há pronta-entrega de novos ventiladores mecânicos. O Conceição tem uma ata de registro de preço com um fornecedor de Curitiba. Pelo acerto, o GHC poderia comprar até cem instrumentos, ao custo unitário de R$ 62.890.
— Se quisermos adquirir, a empresa tem disponibilidade de entregar 35 na metade de abril. Se tivermos um grande estouro de pacientes, teremos de pedir ajuda ao Ministério da Saúde. Estamos avaliando e existe a possibilidade de a gente comprar, mesmo que chegue apenas em abril — diz Oliveira.
O mesmo cenário é vivenciado no HCPA.
— Nossos fornecedores não têm mais ventiladores com pronta-entrega. Quando ele me diz que poderá entregar em meses, isso não nos ajuda — avalia Jeruza.
Governos anunciam remessas de mais equipamentos
Para reduzir a pressão sobre os hospitais, a Secretaria da Saúde de Porto Alegre (SMS) anunciou nesta segunda-feira que iniciará a distribuição de 25 ventiladores de alta performance enviados pelo Ministério da Saúde. Todos estão aptos para uso imediato em pacientes da covid-19. Dez deles irão reforçar a capacidade de atendimento do HCPA, que está em situação crítica. Instituto de Cardiologia, Hospital da Restinga e Hospital Independência receberão cinco aparelhos cada.
A Secretaria Estadual da Saúde (SES) informou que está em processo de compra de 60 respiradores beira-leito. A distribuição deles ocorrerá “conforme as necessidades da rede hospitalar do Rio Grande do Sul”.
A SES ressalta que criou um instrumento que facilita o empréstimo de respiradores e outros utensílios entre hospitais, permitindo que os menos pressionados pela demanda possam socorrer os sobrecarregados.