Desde o Natal, as praias do Litoral Norte exibem uma característica que costuma ser mais comum acima do Rio Mampituba, além da divisa com Santa Catarina: um mar de tonalidade esverdeada, espuma branca e ondas, por vezes, cristalinas.
A sucessão de dias em que a orla gaúcha mantém um certo ar caribenho encanta os banhistas, mas também desperta uma curiosidade: que fim levou o chamado "chocolatão" característico das praias do Rio Grande do Sul?
A mudança da paleta de cores, infelizmente, não é definitiva. A tonalidade esmeralda percebida ao longo dos últimos dias costuma ter relação com uma menor agitação marítima perto da costa. Isso reduz a dispersão de nutrientes na água, o que dificulta a proliferação das algas que trazem o tradicional tom de cacau às ondas no Estado. Conforme as observações disponibilizadas pela Plataforma de Tramandaí, recentemente vem prevalecendo a classificação de "mar calmo" e, até o sábado (28), último dia com dados disponíveis online, com correnteza de Sul.
— A proliferação das algas tem também relação com o lençol freático, as águas do terreno que escoam para o mar em subsuperfície. Essas águas possuem elevado grau de contaminação causada por atividade antrópica (humana) e se tornam fonte de nutrientes para as algas. Em condições de mar mais agitado, a dispersão destes nutrientes é maior e, portanto, favorece a proliferação das algas — complementa o professor o professor do Centro de Estudos de Geologia Costeira e Oceânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (CECO-UFRGS) Elírio Toldo Jr.
Veja imagens do mar nos últimos dias:
O vento também vinha soprando do quadrante Sul até a manhã deste domingo (29). Conforme Elírio Toldo Jr., a volta do conhecido vento Nordeste, que pode ser confirmar nos próximos dias, tende a aumentar a turbulência das ondas, o que também favorece a dispersão dos nutrientes das algas e a ressurgência do "chocolatão". Enquanto isso não ocorre, os veranistas se deliciam com a semana digna de praias nordestinas.
— Ontem mesmo estávamos comentando como a água está diferente. É um espetáculo à parte — afirma a autônoma Daniela Camara, 39 anos, ao lado do marido, o representante comercial Jonas Morari, 41, moradores de Santa Cruz do Sul, sentados diante da imensidão verde-azulada do Atlântico em Imbé.
Morari diz não se recordar de ter deparado com outro período tão longo de águas claras abaixo do Mampituba.
— Acho que, em 2021, pegamos três dias com esse mesmo padrão. Mas agora está ainda melhor — surpreende-se o representante comercial.
A moradora de Gravataí, Aline Vianna, 26 anos, também garante não lembrar de outro intervalo tão grande de mar limpo. Ao lado da irmã, Bianca Vianna, 31, e da sobrinha Isabella, cinco anos, pulava ondas em Imbé neste domingo:
— A gente até acaba entrando mais na água por conta disso.
Tendência de água mais morna
Aline faz apenas um reparo às condições na costa: até o sábado (28), vinha achando a água do mar um pouco mais fria do que o normal — sensação amenizada no domingo.
A impressão dela não está errada: também segundo as medições da Plataforma de Tramandaí, até o sábado a temperatura na zona de quebra das ondas estava em 18°C, entre dois e quatro graus abaixo do que foi verificado no mesmo ponto no final de dezembro de 2023. Os dados do domingo ainda não estavam disponíveis até o começo da tarde.
A explicação para esse fenômeno pode ser encontrada nos mapas que indicam a temperatura da água em alto-mar. Conforme Elírio Toldo Jr, a chamada Corrente das Malvinas, que carrega água mais fria do sul do planeta, ainda predomina na área do litoral gaúcho.
Em sentido oposto, a Corrente do Brasil, que traz temperaturas mais elevadas do Norte, ainda não conseguiu se espraiar pela costa do Rio Grande do Sul — fenômeno que costuma ocorrer durante os meses de verão no Hemisfério Sul. A boa notícia é que a tendência é o fluxo com temperaturas mais agradáveis aos poucos ir ocupando o litoral.
— Estão se aproximando do litoral do Estado as águas mais quentes da Corrente do Brasil. Elas se deslocam do Norte para o Sul durante o verão, enquanto a Corrente das Malvinas se desloca do Sul para o Norte no inverno. Como estamos entrando no verão, as águas quentes vão ocupar o nosso Litoral — avalia o especialista da UFRGS.