Em entrevista ao programa Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha, na manhã desta quinta-feira (18), a diretora-presidente do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Nadine Clausell, falou sobre o aumento do número de casos confirmados e de mortes decorrentes do coronavírus na Capital, bem como acerca do cancelamento de cirurgias eletivas na instituição e do prejuízo causado a esses pacientes. Na visão dela, a situação da pandemia no Estado tende a piorar ainda mais nas próximas semanas.
De acordo com Nadine, a preocupação das instituições de saúde refere-se a uma sobrecarga de dimensão igual ou superior ao pico visto entre julho e agosto de 2020, em um momento em que já existe uma extenuação das equipes que estão lidando com os casos de covid-19 na cidade. Ela afirmou também que a situação já está complicada, mas deve se agravar daqui algumas semanas devido às aglomerações ocorridas durante o Carnaval.
— O que nós estamos vendo aqui, ao meu ver, é um relaxamento generalizado da nossa sociedade. Isso é uma responsabilidade de cada um de nós, de todos e de cada um. São tragédias diárias que a gente vem acompanhando e ainda vamos ter coisa muito pior pela frente — afirmou.
Para a diretora-presidente, o cenário também está associado a uma nova variante, que provavelmente é mais letal e mais contagiosa. Ela relatou ainda que tem observado uma redução da faixa etária dos pacientes internados e um aumento da mortalidade:
— Parece que estamos vivendo uma curva de maior gravidade e de maior aceleração. Então, o cenário que nos pega quase um ano depois é com equipes muito exaustas, em que vários de nós já perdemos amigos e familiares, o desgaste emocional é muito grande.
Em relação à nova variante e ao aumento do número de casos, Nadine constatou que talvez seja um pouco mais íngreme do que a curva de julho e agosto, quando foi registrado o pico de pacientes com covid-19. Além disso, salientou que a taxa de ocupação está mais rápida e a de mortalidade mais alta, com um aumento no número de óbitos proporcionais ao número de pessoas internadas, o que configura um cenário de muita preocupação.
A diretora-presidente comentou ainda sobre a sensação de impotência dos profissionais de saúde, que não têm outra alternativa a não ser lidar com as consequências dessa situação.
— A gente fica se sentindo impotente, porque não tem cura, e a única solução para isso é a vacinação em massa, em alta velocidade, que não está acontecendo. Até que ponto a gente vai conseguir segurar a estrutura dessa forma, às custas de muita gente que está deixando de ter acesso à saúde? — questionou ela.
Prejuízo a outros pacientes
Nadine ressaltou também que a sobrecarga dos hospitais de referência obriga as instituições mais uma vez a cancelarem as cirurgias eletivas, o que não gostariam de ter de fazer neste momento. Para ela, essa penalização aos outros pacientes é muito desestimulante.
— Isso tem um custo muito grande para a saúde. São pessoas que deixam de ter sua cirurgia oncológica, que já vinham esperando com atraso, é muito pesado. É um custo que a gente não sabe como vai se refletir na saúde da comunidade gaúcha e brasileira ao longo do tempo — lamentou.
Segundo a diretora-presidente, o cancelamento foi uma medida de preparação para a piora que deve acontecer nas próximas semanas, com o objetivo de deixar um pouco mais de espaço para a chegada incessante de pacientes com coronavírus em estados críticos. Ela ainda ressaltou que já existem dados mostrando que houve um aumento de mortalidade por infarto e AVC devido ao retardo da procura a emergência, o que se trata de um “efeito colateral” da pandemia.
— O hospital tenta cancelar as cirurgias de quem não tem risco de vida, isso é analisado em uma planilha dia a dia para tomar as decisões de cancelamento. São escolhas de Sofia, que não era para ser feito em um hospital que tem tanto para oferecer aos pacientes como o Clínicas. É com muito sentimento de perda, de não estar cumprindo o seu papel, que suspendemos as cirurgias de pacientes que precisam — relatou.
Aumento do número de óbitos
Em relação ao crescente número de mortes, Nadine afirmou que ainda não está claro o que explica esse aumento, mas considerou a possibilidade da existência de uma variante mais letal. Além disso, lembrou que o Brasil é o terceiro país em proporção de mortes por milhão de habitantes no mundo, e que vai levar um bom tempo para vacinar toda a população de maneira eficiente.
— Esse vírus não está completamente compreendido do ponto de vista de sua estrutura gênica, a gente ainda tem que aprender com ele e, por enquanto, estamos perdendo a batalha. O Brasil tem uma experiência maravilhosa com campanha de vacinação, desde que tenha vacina disponível, e não é o que está acontecendo — disse.
Questionada sobre as medidas que poderiam ser tomadas para frear o avanço da pandemia, a diretora-presidente afirmou que é preciso uma conscientização maior de tudo e de todos de que a circulação de pessoas, aglomerações e o não uso de máscaras não pode acontecer.
— É preciso haver solidariedade, não pensar só em si. Cada um tem que fazer a sua análise de qual é sua participação em tudo isso. Nós temos um ano pela frente que eu não vejo que seja muito melhor do que o ano passado, mas espero estar errada — concluiu.