Conteúdo verificado: tuíte questiona a taxa de eficácia de 50,38% da vacina CoronaVac, anunciada pelo Instituto Butantan. O autor compara a eficácia da imunização e a possibilidade de diagnóstico positivo da covid-19 com um jogo de cara ou coroa.
É enganoso um tuíte de Filipe Martins, assessor especial para assuntos internacionais do presidente Jair Bolsonaro, em que ele compara a CoronaVac, vacina desenvolvida pela companhia chinesa Sinovac e pelo Instituto Butantan, em São Paulo, a um jogo de cara ou coroa, por conta da taxa de eficácia global de 50,38% do imunizante.
No tuíte, em uma tentativa de minimizar a possível contribuição da CoronaVac, Martins ignora que as estatísticas apresentadas pela vacina demonstram que ela pode, sim, ajudar a atenuar o problema de saúde pública pelo qual passa o Brasil devido à pandemia de covid-19.
No tuíte, Martins afirma: “Como você se sentiria se um médico lhe dissesse que ele pode descobrir se você tem coronavírus com base em um jogo de cara-ou-coroa? (sic) Isso é mais ou menos o que vai acontecer com sua imunização, se você optar por tomar a vacina xing ling de 50,38% de eficácia do João Dória”. Como mostra esta verificação, o comentário não tem sentido e, portanto, engana, uma vez que a imunização é uma estratégia coletiva para proteger a sociedade como um todo e não um procedimento realizado para proteger cada indivíduo isoladamente.
O conteúdo foi publicado no dia 12 de janeiro e posteriormente apagado pelo autor, mas ainda circula em outros perfis e páginas em várias redes sociais. O Projeto Comprova entrou em contato com a assessoria do governo federal, mas não obteve retorno até o momento da publicação desta reportagem.
Como verificamos?
Inicialmente, o Comprova buscou esclarecimentos a respeito das estatísticas da CoronaVac com o Instituto Butantan, responsável pelo desenvolvimento da vacina.
Em seguida, ouvimos o médico sanitarista e vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Reinaldo Guimarães, para averiguar e contextualizar quais são os conceitos necessários para avaliar as taxas de eficácia de vacinas.
Também buscamos Jesem Orellana, epidemiologista da Fiocruz/Amazônia, que explicou como funciona a eficácia de imunização e como a CoronaVac se aplica ao contexto atual, alertando para a urgência da situação pandêmica no país.
O Comprova fez essa verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 18 de janeiro de 2021.
Verificação
A eficácia global da CoronaVac
A pesquisa com a CoronaVac contou com 12,5 mil voluntários em 16 centros científicos no Brasil. Todos os voluntários eram profissionais de saúde, com risco muito alto e contínuo de exposição ao coronavírus. Eles receberam duas doses da vacina, com intervalos de duas semanas entre cada aplicação. A pesquisa demonstrou, em primeiro lugar, que o imunizante é seguro. Nenhuma reação adversa grave foi registrada entre os participantes.
O segundo passo necessário diz respeito à eficácia da vacina. A CoronaVac se baseia na inativação do vírus Sars-CoV-2 para induzir o sistema imunológico humano a reagir contra o agente causador da covid-19. A tecnologia é similar à de outras vacinas produzidas pelo Butantan. Em 12 de janeiro, o instituto informou que a CoronaVac obteve 50,38% de eficácia global no estudo clínico desenvolvido no Brasil. Esse número é superior ao patamar de 50% recomendado pela Organização Mundial de Saúde para que a CoronaVac seja utilizada no Plano Nacional de Imunização (PNI).
Esse número se refere ao contágio da doença e inclui, portanto, os pacientes assintomáticos. É o que explica Reinaldo Guimarães, da Abrasco.
— O número de 50,3% diz respeito a casos leves e assintomáticos que só souberam que estavam infectados porque fizeram um teste de PCR durante o ensaio fase 3 dos testes — afirmou ele ao Comprova.
O número de 50,38% não significa, portanto, que metade das pessoas estará imunizada e a outra metade necessariamente vai pegar o vírus. O número significa que a probabilidade de pegar o vírus diminui em 50,38%. Por exemplo, se em um grupo qualquer, em um cenário sem vacina, 10 pessoas fossem pegar o vírus, num cenário com a vacina esse número cairia para cinco.
A eficácia de 78% da CoronaVac
A eficácia global da CoronaVac não é o único número relevante, no entanto.
— O que realmente importa é a capacidade da vacina em prevenir casos graves, que exijam internação, UTI e que costumam levar à óbito. Para esses casos, a eficácia da vacina é de quase 100% — afirma Guimarães, da Abrasco.
Além da eficácia global, as estatísticas do Butantan trouxeram os resultados da vacina para casos leves e para casos moderados e graves. No primeiro critério, de casos leves, designados como aqueles em que o paciente precisa de algum tipo de assistência médica, o nível de proteção é de 78%. Ou seja, quem tomar a vacina possui, além de 50% menos risco de ser contaminado pela covid-19, 78% menos risco de ser contaminado e desenvolver sintomas leves.
Nos testes da CoronaVac, casos moderados foram considerados aqueles em que o paciente é hospitalizado e casos graves os que os pacientes são hospitalizados e precisam de UTI. Neste critério, a eficácia divulgada foi de 100% — ou seja, nenhuma das pessoas do grupo das vacinadas foi parar na UTI —, mas esse resultado ainda precisa de mais estudos, pois o número de casos graves na pesquisa foi muito baixo para ter significância estatística, como afirmou Ricardo Palacios, diretor médico de pesquisa do Instituto Butantan.
Jesem Orellana, epidemiologista da Fiocruz/Amazônia, explica que a eficácia de uma vacina é a capacidade que esse imunizante tem de proteger as pessoas. Então, quando é atestado que uma vacina é 100% eficaz contra a covid-19, isso significa que a cada cem pessoas vacinadas, provavelmente nenhuma delas vai adoecer.
— Quando você diz que a eficácia é de 70%, é o mesmo raciocínio: de cem pessoas expostas, 70 serão protegidas, e assim por diante — afirma.
Orellana destaca que as estatísticas da CoronaVac indicam que ela pode ajudar o Brasil a reduzir significativamente o problema de saúde pública pelo qual passa.
— Quando estou pensando como um gestor de saúde pública, alguém preocupado, por exemplo, com a pressão que uma doença como a covid-19, emergente e nova, pode causar sobre as unidades básicas de saúde, sobre os hospitais, sobre as demandas por internação em leito de UTI e, principalmente, de mortes, eu não fico tão preocupado com uma vacina que seja super potente e eficaz — afirma.
Segundo ele, o mais importante, neste momento, é poupar vidas.
— Algumas vacinas que não têm uma taxa de eficácia global tão grande, como a vacina da AstraZeneca e, principalmente, a CoronaVac, são muito úteis para a saúde pública — diz.
— Embora não evitem, digamos, 90% dos casos gerais de covid-19, vão evitar a maior parte dos casos graves e, muito provavelmente, quase todas as mortes por covid-19. Isso é o mais importante, esse é o papel de uma vacina. A taxa de eficácia tem que ser interpretada dessa maneira — afirma.
Na visão do epidemiologista, a afirmação de Martins é essencialmente política e não tem base em conhecimentos sanitários, imunológicos e epidemiológicos. Em suas palavras, trata-se de “uma afirmação vazia, com finalidade política e que desconsidera completamente a interpretação dos resultados específicos da CoronaVac, por exemplo, para proteção de doenças graves, que levaria a internações, gastos milionários com internações por dias e semanas, sejam em leitos clínicos ou leitos de UTI, e principalmente a morte”.
Orellana destaca ainda que as análises sobre a CoronaVac precisam ser feitas tendo como pano de fundo a realidade brasileira.
— Estamos em momento de emergência sanitária e não temos opções, sejam elas financeiras, operacionais, logísticas, ou de acesso à vacina com eficácia melhor. O que temos que fazer nesse momento é ser realistas, olhar para nossa realidade, contexto e infraestrutura e ver o que há disponível nesse momento. Não adianta dizer que a eficácia global da CoronaVac é baixa se você não tem outra proposta viável para proporcionar a imunização de brasileiros em curto espaço de tempo — conclui.
A importância das vacinas
Conforme já verificado pelo Comprova em outras checagens, o corpo humano tem um sistema imunológico capaz de identificar células estranhas, reagindo a fungos, bactérias, vírus e parasitas. A resposta biológica e natural é um processo inflamatório que desencadeia uma série de reações às doenças existentes. Por isso, as vacinas são meios eficazes, pois aumentam a imunidade adquirida e evitam o contato com a doença. Além disso, a alta cobertura vacinal protege aqueles que não podem se vacinar, como pessoas mais velhas e com doenças pré-existentes, por cessar ou diminuir drasticamente a circulação de microrganismos. Atualmente, as vacinas protegem milhões de pessoas em todo mundo.
É o caso da vacina contra varíola, que erradicou completamente a doença no mundo em 1980. Segundo Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, a doença foi erradicada devido a um esforço global, que uniu solidariedade, ciência e uma vacina segura e eficaz. Após a erradicação da varíola, a OMS e o Unicef lançaram o Programa Expandido de Imunização, no qual 85% das crianças do mundo foram vacinadas e protegidas de doenças debilitantes.
Por que investigamos?
Em sua terceira fase, o Comprova investiga conteúdos duvidosos relacionados às políticas públicas do governo federal e à pandemia do coronavírus. Conteúdos falsos sobre vacinação prejudicam o trabalho dos pesquisadores e diminuem a confiança das pessoas na ciência e em medidas de benefício geral.
O post de Filipe Martins teve 1,1 mil curtidas no Twitter até o dia 12 de janeiro. Mesmo tendo sido apagado no mesmo dia, o tweet teve uma visualização expressiva e continua sendo compartilhado em forma de prints e cópia do texto. Consideramos que esse tipo de postagem é perigosa na medida em que coloca sob suspeita a imunização e sua eficácia no combate e tratamento ao coronavírus. Esta solução, segundo os especialistas entrevistados pelo Comprova nesta e em outras verificações sobre a vacina, vem sendo enfaticamente recomendada pela comunidade científica e organismos internacionais de saúde.
O Comprova tem desmentido diversas correntes que abordam a vacinação, como a que tira de contexto dados sobre sintomas da vacina da Pfizer, a que afirmava ser possível deixar de vacinar pessoas já diagnosticadas com covid-19; e que a China não usará suas próprias vacinas.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados imprecisos ou que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Projeto Comprova
Depois de um período especial de 75 dias dedicado exclusivamente à verificação de conteúdos suspeitos sobre o coronavírus e a covid-19, o Projeto Comprova começou em 10 de junho a terceira fase de suas operações de combate à desinformação e a conteúdos enganosos na internet. O objetivo da iniciativa é expandir a disseminação das informações verdadeiras.
Nesta terceira etapa, o Comprova retoma o monitoramento e a verificação de conteúdos suspeitos sobre políticas públicas do governo federal e eleições municipais, além de continuar investigando boatos sobre a pandemia de covid-19. Fazem parte da coalizão do Comprova veículos impressos, de rádio, de TV e digitais de grande alcance.
Este conteúdo foi investigado por Estadão, Favela em Pauta, Alma Preta e Coletivo Bereia, e verificado por Rádio Noroeste, Rádio Band News FM, Jornal Correio, Niara - Coletivo Negro da Universidade Federal do Pampa (Unipampa) de São Borja, Jornal O Povo e Jornal do Commércio.
É possível enviar sugestões de conteúdos duvidosos e que podem ser verificados por meio do site e por WhatsApp (11 97795-0022). GZH publicará conteúdos checados pela iniciativa. O Comprova tem patrocínio de Google News Initiative (GNI), Facebook Journalism Project, First Draft News e WhatsApp e apoio da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP). A coordenação é da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).