Os cinco primeiros vacinados contra a covid-19 no Rio Grande do Sul representam os grupos prioritários na campanha de imunização. Entre os pioneiros, estão profissionais da linha de frente do combate à pandemia, uma idosa de 99 anos e uma indígena integrante de aldeia em Porto Alegre.
A esperança de que a vacina represente a munição que falta no combate ao vírus que já matou mais de 200 mil pessoas no país, quase 10 mil no Estado e cerca de 2 mil na Capital, dita o tom do discurso dos cinco primeiros imunizados em solo gaúcho.
Aline Marques da Silva, 40 anos - técnica em enfermagem
Aline Marques da Silva, 40 anos, é técnica em enfermagem do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) e atua na casa de saúde há 11 anos. Aline está na linha de frente contra a covid-19 no Centro de Tratamento Intensivo (CTI) do hospital. Ela atua no plantão da noite, trabalhando 12 horas por dia, das 19h às 7h. A profissional destaca que a rotina dela e dos colegas é árdua no combate à pandemia:
— É uma rotina árdua, pesada, cansativa, que mexe muito com o nosso psicológico. Temos todo dia que levantar com esperança de que as coisas melhorem, porque o nosso trabalho é importante. (...) Alguns desfechos não tão bons, mas a gente pega forças. A família é muito importante neste momento.
Aline é tida como exemplo por colegas de front, descrita como pessoa com espírito agregador e, segundo relatos, "não vê dia ruim".
A técnica em enfermagem é mãe de dois filhos — um menino de 13 anos e uma menina de oito. O marido dela também é técnico de enfermagem. Ela destaca o apoio recebido da família para conseguir conciliar as rotinas da vida pessoal e do extenuante serviço em prol da via no hospital.
— Tive apoio da minha sogra, que cuidava dos meus filhos, da minha mãe e do meu esposo, que também é técnico de enfermagem. Eu tive apoio e sou muito grata por isso — afirma.
Eloina Gonçalves Born, 99 anos - residente de um lar de idosos em Porto Alegre
Primeira idosa vacinada contra a covid-19 no Rio Grande do Sul, Eloina Gonçalves Born, 99 anos, é moradora do Lar de Idosos Donna Care, no bairro Santo Antônio, em Porto Alegre. Eloina disse que estava ansiosa para receber o imunizante. Nem mesmo o horário do evento de vacinação, transferido para perto da meia-noite de segunda-feira após adiamentos em razão do atraso da chegada das doses, a desanimou.
Em tom bem humorado, em entrevista ao Gaúcha Atualidade, dona Eloina afirmou que não sentiu incômodo ou efeitos da vacinação:
— Foi muito bem. Parece até que nem me vacinei. Estou muito feliz.
Eloina é mãe de dois filhos — um já falecido — e tem quatro netos e três bisnetos. Com muito orgulho da família, adora falar com os parentes e tem feito isso por meio de vídeo diante dos cuidados impostos pela pandemia.
Segundo a assessoria do lar de idosos, antes da pandemia, ela costumava passear no shopping, comprar roupas e bijuterias, atividades que adora. Com a crise sanitária, transferiu esses hábitos para a internet, com auxílio de profissionais do residencial.
A rotina da idosa no lar de idosos é marcada por sessões de terapia ocupacional, fisioterapia, em convívio com os outros moradores. Segundo o estabelecimento, sempre que que possível, dona Eloina pede que levem um pastel, uma cueca virada e outros quitutes de uma padaria das redondezas. De vez em quando, pede até uma cervejinha para fazer um brinde.
A proprietária do lar em que reside Eloina, Andréia Ketzer Squeff, confirma que a idosa é uma pessoa muito vaidosa e que escolheu a melhor roupa que tem para o evento de vacinação logo que recebeu a notícia que seria uma das primeiras vacinadas no Estado.
Carla Ribeiro, 32 anos - indígena da etnia caingangue
A indígena Carla Ribeiro, 32 anos, da etnia caingangue comemorou a vacinação. Moradora da Aldeia Fag Nhin, na Lomba do Pinheiro, Carla afirmou que a chegada do imunizante é um alento, destacando que viveu drama familiar causado pela infecção de coronavírus:
— É muito emocionante representar todo o nosso povo, e quero pedir a todas as etnias que se conscientizem, pois é importante para nós nos vacinarmos. Nós perdemos muitos parentes e pessoas próximas. Me emociono porque a minha filha também teve (coronavírus), e foi muito difícil. Ela tem sete anos e ficou separada de mim todos os 14 dias. Então esse momento é muito emocionante para mim, e espero que traga esperança a toda a população — disse Carla.
Joelma Kazimirski, 48 anos - auxiliar de higienização do Grupo Hospitalar Conceição
Integrante de um dos braços da linha de frente no enfrentamento à pandemia, Joelma Kazimirski, 48 anos, atua na higienização do Grupo Hospitalar Conceição. Joelma e seus colegas trabalham em áreas com grande potencial de contaminação, garantindo locais seguros e com condições de trabalho para profissionais de saúde.
— Estou muito emocionada e muito agradecida. Agora, é só agradecer e esperar que acabe esse vírus. É cansativo, é triste você ver os familiares chegando lá no hospital... É algo que não tem como explicar. É triste demais. Mas espero que agora com a vacina tudo se comece a normalizar — disse Joelma.
Jorge Amilton Hoher, 68 anos - coordenador da UTI Central do Hospital Santa Clara
O médico Jorge Amilton Hoher, 68 anos, é coordenador da UTI Central do Hospital Santa Clara, da Santa Casa de Misericórdia. Com 41 anos de formação — mais de 36 deles com atuação no grupo hospitalar —, Hoher é integrante do grupo de risco, mas mesmo assim fez questão de continuar na linha de frente durante o combate à pandemia.
Além de atuar no hospital, Hoher também é professor da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), da qual a Santa Casa é o hospital escola. Ele é responsável por diversos residentes intensivistas, importantes para reforçar equipes durante o combate à crise sanitária.
— A sensação é maravilhosa, de ter sido uma pessoa abençoada. O fato de eu ser escolhido faz com que eu represente meus colegas, merecedores dessa benção. A partir do momento que esta sendo injetada a vacina no seu braço, a sensação é de que, a partir desse momento, meu organismo está reagindo, formando anticorpos anti-covid. Esse é o milagre da vacinação, a esperança que gera. A expectativa, a esperança de não contrair a doença e que isso pode ser extrapolado para os demais colegas trabalhadores da saúde e para a população em geral, é a única maneira de vislumbrar a solução para uma tragédia tão grande — conta.
Hoher afirma que, dentro da rotina em uma UTI, o cenário mais difícil de enfrentar é marcado por pacientes que não evoluem para uma melhora mesmo recebendo o melhor atendimento, com os melhores equipamentos. O médico disse que segurar a emoção em situações como essas é muito complicado, principalmente com a perda, que traz a sensação de derrota.