- Depois de um período de desaceleração, a pandemia dá sinais de estabilização em um patamar ainda elevado de números em Porto Alegre
- Especialistas entendem que é preciso aguardar os dados das próximas semanas para se ter uma análise mais precisa dos indicadores
- Um dos aspectos que preocupa é o patamar elevado de mortes da capital gaúcha, como indica o cálculo da média móvel de óbitos diários nas duas últimas semanas
Enquanto apresenta sinais de que a melhora progressiva da pandemia possa estar dando lugar a uma nova estabilização, Porto Alegre tem a maior incidência de mortes por coronavírus, nas últimas duas semanas, entre todas as 27 capitais brasileiras, segundo análise de GZH sobre dados do Ministério da Saúde compilados até segunda-feira (2). Na prática, mais pessoas morrem em Porto Alegre, proporcionalmente, do que em outras capitais.
No período, a capital gaúcha teve uma média móvel de 5,6 mortos por dia a cada 1 milhão de habitantes, pior do que Rio de Janeiro e Goiânia. Na outra ponta, as capitais com melhor desempenho dos últimos dias são São Luís, Fortaleza e Maceió, como mostra o gráfico a seguir.
Em outro indicador, Porto Alegre tem a oitava pior performance na incidência de novas infecções nas últimas duas semanas. Os piores desempenhos são em Florianópolis e Boa Vista e os melhores, em Natal e Maceió.
A média móvel é um tipo de cálculo recomendado por especialistas que soma casos ou mortes ao longo de 14 dias e os divide por 14 para chegar à média de registros diários. Para comparar capitais, GZH corrigiu o indicador levando em conta o tamanho da população.
A pandemia em Porto Alegre está, neste momento, estabilizando e não piorando, mas os números indicam que o platô alcançado pode ser proporcionalmente pior do que em outras capitais, avalia o pesquisador Marcelo Gomes, coordenador do InfoGripe, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Ele ressalva que é preciso aguardar algumas semanas para ver se a média de novas mortes na capital gaúcha cairá mais, uma vez que a Porto Alegre, por ter uma entrada na pandemia mais “tardia” do que outras regiões, ainda contabiliza números piores como reflexo do cenário de semanas atrás, quando era mais preocupante.
— Porto Alegre, como outras capitais da região Sul, de Minas Gerais e do Centro-Oeste, manteve um crescimento mais lento no início da pandemia no Brasil e observou o pico mais tarde do que nas demais regiões. Ou seja, enquanto outros locais já tinham caído há mais tempo, Porto Alegre começou o processo de queda há relativamente menos tempo. O que preocupa é que essa estabilização está se dando em valores ainda preocupantes, pois são superiores ao período de abril e maio — diz Gomes.
A última análise divulgada pela Fiocruz, na semana passada, avalia que Porto Alegre está em sinal de estabilização da pandemia, “o que recomenda cautela em relação às próximas semanas, especialmente em relação a eventuais avanços nas ações de flexibilização das medidas de mitigação do contágio na capital gaúcha”, diz o boletim feito por analistas.
Como temos em Porto Alegre pessoas mais velhas, aumenta o risco de ter mais mortes. E também há o fator da adesão da população às medidas de prevenção. É possível que menos pessoas estejam aderindo ao distanciamento, ao uso de máscaras e a medidas de higiene
INÁ DOS SANTOS
Médica epidemiologista e professora da Medicina da PUCRS
— As flexibilizações e a desmobilização da população em relação aos cuidados básicos, como uso de máscara, evitar aglomerações, privilegiar espaços abertos e bem arejados, facilita a transmissão do vírus. Como ainda temos muita gente suscetível, isso pode fazer com que essa interrupção da queda que estamos observando agora venha a se converter em retomada do crescimento — acrescenta o pesquisador da Fiocruz.
Outro fator que explica o desempenho ruim de Porto Alegre nos últimos dias é que 15% de toda a população da cidade tem mais de 60 anos, a maior proporção entre todas as capitais, acrescenta Iná dos Santos, médica epidemiologista e professora da Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Depois da capital gaúcha, Rio de Janeiro e Belo Horizonte são as com mais idosos no país.
— Como temos em Porto Alegre pessoas mais velhas, aumenta o risco de ter mais mortes. E também há o fator da adesão da população às medidas de prevenção. É possível que menos pessoas estejam aderindo ao distanciamento, ao uso de máscaras e a medidas de higiene — diz a epidemiologista.
Comparação com outras capitais
A análise anterior é um recorte das últimas duas semanas, mas, quando comparada a outras capitais desde o início da pandemia, Porto Alegre está entre as 10 cidades com menor incidência de infecções e de mortes pelo novo coronavírus, ainda segundo dados do Ministério da Saúde.
Desde março, a capital gaúcha registrou mais de 1,2 mil mortos por covid-19: é a sétima mais baixa mortalidade por coronavírus a cada 100 mil habitantes, como mostra o gráfico a seguir.
Em outro indicador, Porto Alegre contabilizou 41 mil infecções, segundo o governo federal, a nona taxa mais baixa de contaminações. As capitais onde proporcionalmente mais pessoas morreram por covid-19 neste ano foram Rio de Janeiro, Cuiabá e Belém, como indica o gráfico a seguir.
De forma geral, os Estados do Sul apresentam o melhor desempenho, enquanto que o Norte e o Nordeste concentram a maior incidência de casos e de mortos na pandemia, destaca Ivana Varela, médica epidemiologista do Grupo Hospitalar Conceição.
— A região Sul tem o melhor cenário em termos de incidência e mortalidade. Houve tempo suficiente para um aumento de leitos de UTIs (Unidades de Terapia Intensiva) e o sistema de saúde já era mais organizado. Hoje, o Rio Grande do Sul apresenta ainda uma ocupação elevada de UTIs com casos de covid na Serra, Região Missioneira e Região Metropolitana. Nas demais regiões, a ocupação está bem abaixo — diz.
Frente às outras duas capitais do Sul, contudo, Porto Alegre tem o pior desempenho na pandemia: mais do que o dobro da taxa de contaminações e quase o triplo de mortes registradas, proporcionalmente, em Florianópolis. Na comparação com Curitiba, tem praticamente o mesmo nível de infecções, mas um pouco mais de mortes.
A médica epidemiologista Jeruza Neyeloff, do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), interpreta que as estatísticas demonstram que a capital gaúcha teve um bom desempenho no combate à pandemia, ainda que pudesse ter um resultado mais satisfatório se tivesse esperado um pouco mais antes de abrir comércios e outras atividades.
O bom desempenho em Florianópolis, ela especula, pode estar ligado ao fato de a cidade ter várias praias, o que favorece o lazer na natureza, em espaço aberto, um ambiente menos favorável para a covid-19.
Jeruza cita que o distanciamento social imposto cedo, ainda em março, permitiu que o sistema de saúde de Porto Alegre se organizasse a ponto de não deixar ninguém sem atendimento em UTIs – cenário diferente de cidades como Manaus, São Luís, Recife e Rio de Janeiro.
A população foi bem aderente a medidas de distanciamento até meados de junho, quando começaram algumas flexibilizações e vimos a subida de casos e de (internações em) CTIs. Ali, demoramos para chegar a um platô. Talvez a gente pudesse ter tido um impacto um pouco menor
JERUZA NEYELOFF
Médica epidemiologista do HCPA
A epidemiologista também cita levantamento apontando que Porto Alegre é uma das poucas capitais que não registrou excedente de mortes – ou seja, na comparação com o ano passado, a cidade teve aproximadamente o mesmo número de óbitos quando somadas todas as causas. Na prática, isso significa que o coronavírus, apesar de ter matado muitas pessoas, não gerou, no balanço total da cidade, mais vítimas do que em 2019.
— É difícil fazer a gestão de crise em um país mais pobre e pedir para as pessoas ficarem em casa com incerteza sobre seu ganha-pão. Ter uma população mais fragilizada contribui para uma mortalidade maior. Mas, dentro de um cenário difícil, Porto Alegre fez uma boa gestão da crise. Talvez os gestores não tenham contado com a dificuldade de fazer novos fechamentos depois que flexibilizações foram feitas. A população foi bem aderente a medidas de distanciamento até meados de junho, quando começaram algumas flexibilizações e vimos a subida de casos e de (internações em) CTIs. Ali, demoramos para chegar a um platô. Talvez a gente pudesse ter tido um impacto um pouco menor — avalia Jeruza.