A fabricante dos cerca de 7 milhões de exames RT-PCR que estão encalhados em armazém do governo federal e vencem em dezembro e janeiro entregou nesta quarta-feira (25) estudos ao Ministério da Saúde indicando que o produto pode ser usado por mais quatro meses, informou a pasta. O ministério tenta prorrogar a validade dos exames, o que depende de aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Do total estocado pelo governo, 96% (cerca de 6,86 milhões de unidades) estão próximos de perder a validade.
O assunto foi tema de audiência pública da comissão externa da Câmara dos Deputados que acompanha as ações de combate à pandemia de covid-19. Os parlamentares não ficaram satisfeitos com as explicações da pasta sobre os testes para diagnóstico do novo coronavírus e deram um prazo de 15 dias para que o governo federal e a Anvisa apresentem uma solução definitiva ao problema.
Os técnicos do Ministério da Saúde não conseguiram esclarecer por que o prazo dos componentes, entre outubro de 2021 e 2023, é maior do que a data de validade impressa nas caixas. No entanto, disseram que já receberam da empresa produtora, a Seegene, um relatório que vai embasar o pedido de extensão da validade dos testes junto à Anvisa. O secretário de Vigilância em Saúde informou que, em alguns países da Ásia e da América Latina, o prazo de validade dos kits é de até 13 meses, contra os oito meses do produto vendido para o Brasil, mas também não explicou essa diferença.
A representante da Anvisa, Cristiane Jourdan, disse que até agora não recebeu nenhum pedido para estender esse prazo e detalhou a importância de estudos de estabilidade criteriosos antes de modificar a validade dos testes.
— Esses estudos definem por quanto tempo os produtos serão seguros e eficazes — pontuou. — A perda da estabilidade está relacionada à perda de qualidade, comprometendo a sensibilidade e a especificidade do teste diagnóstico, ou seja, podendo ocasionar resultados falsos positivos/negativos, o que prejudica a política pública para a covid-19.
O coordenador da comissão externa, deputado Dr. Luiz Antonio Teixeira Jr (PP-RJ), estranhou que, na compra dos testes diagnósticos pelo Ministério da Saúde, não tenha sido feita uma carta de troca, instrumento legal que prevê a obrigação de substituição do material próximo ao prazo de validade.
— Ou se troca esses kits ou a própria Seegene apresenta a validade, não o estudo, porque ela está dando à Anvisa menos de 30 dias para entender o estudo dela, a empresa tem de validar a ampliação de prazo — declarou.
TCU cobra "liderança" e explicações
O ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Benjamin Zymler cobrou explicações do Ministério da Saúde sobre os exames RT-PCR encalhados. Durante sessão do tribunal nesta quarta-feira (25), Zymler disse que o ministério deve adotar "posição centralizada de liderança para coordenar a atuação em todo o Brasil", em vez de alegar que envia insumos, como testes, apenas quando há pedidos de Estados e municípios.
O questionamento foi encaminhado na segunda-feira (23) à Saúde. A pasta terá de dois a cinco dias para responder sobre o seu estoque de testes RT-PCR, além de apresentar contratos de compra desses insumos e explicar por quais motivos os exames não foram distribuídos. O ministro também questiona o que a pasta fará para evitar o descarte dos testes.
Relator de processos sobre a ação da Saúde durante a pandemia, Zymler disse que a ideia é "evitar a ocorrência de desperdício de recurso público", caso os testes expirem. Em reunião nesta quarta, os membros do TCU criticaram a atuação do ministério na pandemia. O ministro Bruno Dantas disse que é um "crime de lesa-pátria" o encalhe e possível descarte dos exames.
— Trata-se de menosprezo com a saúde da população. Não estou atribuindo responsabilidades ainda, mas chegará o momento de fazê-lo — disse Dantas.
Além da cobrança de Zymler, o Ministério Público junto ao TCU pede uma investigação sobre os testes parados. A representação foi assinada pelo subprocurador-geral Lucas Furtado. Ele aponta "inépcia" do governo federal em relação ao planejamento e logística de distribuição para a rede pública de saúde.
Considerado "padrão ouro", o RT-PCR é um dos exames mais eficazes para diagnosticar a covid-19, além de ser arma poderosa para o controle da pandemia por ajudar a localizar e isolar infectados e seus contatos próximos. A coleta é feita por meio de um bastão aplicado na região nasal e faríngea (a região da garganta, logo atrás do nariz e da boca) do paciente. Na rede privada, o exame custa de R$ 290 a R$ 400.
As evidências de falhas de planejamento e logística no setor ocorrem em um período de aumento dos casos no país. Detalhe: o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, assumiu o cargo justamente por sua experiência em logística, sempre elogiada pelo presidente Jair Bolsonaro.