Revogado após críticas de entidades ligadas à saúde, que temem a privatização do SUS, o decreto do presidente Jair Bolsonaro que liberava estudos para a inclusão das Unidades Básicas de Saúde (UBS) no programa de concessões do governo foi avaliado como positivo por quem trabalha com parcerias-público privadas (PPPs).
A pedido de GZH, Guilherme Naves, sócio da Radar PPP, empresa especializada em desenvolvimento e assessoria estratégica de PPPs e concessões no Brasil, respondeu três perguntas envolvendo o tema, a partir do olhar do mercado. Confira as respostas.
Como o senhor avalia a decisão do presidente da República de revogar o decreto que autorizava estudos para a inclusão das Unidades Básicas de Saúde no Programa de Parceria e Investimentos (PPI)?
O presidente revogou o decreto sem dar razões para a isso. Pelo contrário, se esforçou para defender a pertinência daquilo que ele mesmo estava revogando. Pra mim, portanto, é uma confissão de arrependimento por terem feito uma comunicação tão inadequada sobre o assunto. E, claro, é também um desperdício de oportunidade para travarmos essa discussão com base no que realmente importa: como tornar o gasto público mais eficiente na saúde. O Reino Unido tem 127 contratos em regime parecido com as nossas PPPs no setor de saúde. E ninguém lá está questionando a "privatização do NHS" (National Health Service). Não alcançaremos um lugar melhor com um debate de tão baixa qualidade como foi a repercussão do decreto - mas também não é fugindo do debate, revogando o decreto no ímpeto, é que chegaremos lá.
Qual era a sua avaliação sobre o decreto em si?
No mérito, era um decreto que sinalizava um estágio bastante preliminar de priorização de um tipo de política pública no âmbito do PPI (Programa de Parcerias de Investimentos). Uma das implicações era de que a União poderia mandatar bancos públicos – como Caixa e BNDES – a desenvolverem uma estratégia de apoio a Estados e municípios na busca por soluções de problemas da atenção primária, contando com investimento privado. Era absolutamente equivocado interpretar o decreto como “primeiro passo para a privatização do SUS”. Na forma, entretanto, o governo cometeu um velho equívoco: desprezou a oportunidade de se comunicar prévia e adequadamente sobre a política de desestatização em projetos de infraestrutura social, como é o caso das UBS. A ideia era ótima, mas (em razão da falha de comunicação) o governo teve de ficar na defensiva para gerir uma crise que não era de outra natureza, senão de comunicação.
Haveria interesse no mercado para PPPs envolvendo essas unidades? Existe algum parâmetro?
O decreto serviria justamente para, entre outras coisas, começar a estudar esse mercado e mensurar o real interesse da iniciativa privada por esse tipo de ativo e em que tipo de arranjo contratual. Mas, sim, há projetos no Brasil com esse escopo. Belo Horizonte tem uma PPP de atenção primária à saúde para 40 UBS, que serão entregues até abril de 2022. Uma delas já está em operação e 18 estão em construção. O Estado da Bahia, governado pela esquerda por muitos anos, tem as experiências mais emblemáticas de PPPs de saúde, como o Instituto Couto Maia e o Hospital do Subúrbio.
Especialistas levantaram dúvidas se haveria viabilidade de uma PPP envolvendo postos de saúde, porque teria de se encontrar uma forma de remunerar o investimento feito e isso poderia acabar com a gratuidade do serviço. Como seria?
Esse tipo de dúvida revela desconhecimento sobre mecanismos de pagamentos em parcerias público-privadas. Empresas já são acionadas para atender demandas do setor de saúde muito antes das PPPs existirem. Quando o governo contrata uma obra pública de uma construtora para erguer uma UBS e depois licita a gestão para contratar uma empresa terceirizada de serviços, como essas empresas se remuneram? Com pagamentos públicos, ora. PPPs nada mais são do que arranjos que integram a fase de obras e a gestão do equipamento em um mesmo contrato, num formato que prometa gerar mais benefícios com o mesmo dinheiro público empregado. O parceiro privado faz o investimento e o recupera, ao longo do tempo, com base em pagamentos governamentais condicionados à performance. Por exemplo: nos serviços de hotelaria hospitalar, gestão da área meio, segurança patrimonial, etc. O médico pode continuar sendo do SUS. O serviço continua sendo gratuito. A conversa sobre PPPs em saúde não é sobre “privatizar o SUS”. É sobre uma possibilidade de realizar o gasto público com mais qualidade e eficiência.