Parte do calendário nacional de vacinação brasileiro, a BCG, usada no combate à tuberculose, é uma das apostas de pesquisadores na corrida em busca de um imunizante capaz de proteger contra o coronavírus. Em março, cientistas australianos anunciaram um estudo com milhares de profissionais da saúde do país. Meses depois, com o apoio da Gates Foundation, a pesquisa se expandiu para a Europa e, agora, é anunciada também no Brasil, com a coordenação da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Batizado de BRACE Trial, o ensaio tem como objetivo avaliar se a BCG pode ser utilizada como medida para proteção de profissionais da saúde que atuam na linha de frente enquanto uma vacina específica contra covid-19 não é aprovada, explicou, em um vídeo institucional, Nigels Curtis, professor da Universidade de Melbourne e líder da pesquisa.
Em sua última fase, o ensaio será realizado na Espanha, no Reino Unido, na Holanda e no Brasil. Nesta etapa, a ideia é incluir mais de 10 mil participantes para receberem uma dose da vacina ou do placebo, de forma randomizada. Aqui no país, serão 3 mil voluntários: mil do Rio de Janeiro e 2 mil do Mato Grosso do Sul.
— A proposta é que a gente possa iniciar em outubro. Estamos assinando o contrato nesta semana e já estamos importando as doses, pois, em todo o mundo, elas serão da mesma empresa para não ter variação — detalha o infectologista Julio Croda, pesquisador da Fiocruz e líder nacional do trabalho.
A escolha pela BCG foi feita a partir da observação de que ela induz uma resposta imune inata potente.
— Uma coisa muito interessante para pensarmos sobre a BCG é que ela tem o que chamamos de "off target effects" (efeitos inesperados). Agora, nós entendemos que ela aumenta a resposta inata — justificou Curtis.
Essa reação inata, diz Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), é uma resposta inespecífica a qualquer ser estranho que entre em contato com o organismo. Além dela, também há a resposta adaptativa, que é aquela específica para determinado vírus ou bactéria, por exemplo.
— Quando aplico uma vacina, vou desenvolver anticorpos e eles vão ser específicos. A resposta adaptativa é mais direcionada para aquele antígeno do imunizante. Ao fazer a vacinação, tenho as duas respostas — explica Cunha, acrescentando que uma reposta é mais rápida e inespecífica, enquanto a outra é mais focada em determinado micro-organismo.
De acordo com o presidente da SBIm, não é de hoje que se observa a capacidade de proteção desse imunizante contra outros micro-organismos. Segundo ele, há relatos na África sobre efeitos positivos da vacina contra outros vírus.
Ainda em estudo
Embora a BCG faça parte do calendário de vacinas infantis obrigatórias, essa proteção não se estende por muito tempo. Isso explica o porquê de um adulto que tomou a dose na infância não estar mais protegido.
— Mesmo para tuberculose a duração é só nos primeiros cinco anos, imagina contra outras doenças. Mas é importante ressaltar que estamos avaliando essa indicação a BCG. A população não deve se revacinar nesse momento, pois não existe nenhum dado que prove que ela realmente protege contra a covid-19 — finaliza o pesquisador da Fiocruz.