Ainda cercado de dúvidas, o papel das crianças na disseminação do coronavírus foi objeto de estudo publicado na manhã desta quinta-feira (20) no The Journal of Pediatrics. A conclusão dos pesquisadores da Universidade de Harvard é considerada surpreendente: ao contrário do que se acreditava, as crianças têm alta carga viral, o que, consequentemente, aumenta a transmissibilidade ou risco de contágio.
Os resultados foram obtidos por meio da análise de dados de 192 pacientes, com idades entre zero e 22 anos. Desses, 49 testaram positivo para coronavírus, mas apenas 25 apresentaram febre. Outros sintomas, quando presentes, eram inespecíficos, apontaram os pesquisadores. A faixa dos 11 aos 16 foi a que mais apresentou casos de sars-cov-2.
Do total de indivíduos avaliados, outros 18 deram entrada no hospital com sintomas condizentes de síndrome inflamatória multissistêmica, complicação da covid-19 já identificada nesta fase. A faixa etária mais representativa do quadro foi entre um e quatro anos.
Um dos pontos que mais chamou a atenção dos pesquisadores diz respeito à carga viral encontrada em amostras nasofaríngeas dessas crianças: no segundo dia dos sintomas, ela era mais alta do que em pacientes adultos internados em UTIs com quadros graves da doença.
— Fiquei surpresa com os altos níveis de vírus que encontramos em crianças de todas as idades, especialmente nos primeiros dois dias de infecção. Não estava esperando que a carga fosse tão elevada. Você pensa em um hospital e todas as precauções tomadas para tratar adultos com quadros severos, mas a carga viral nesses pacientes hospitalizados é significativamente mais baixa do que em "crianças saudáveis" — disse Lael Yonker, diretora do Centro de Fibrose Cística do Massachusetts General Hospital (MGH), afiliado da instituição de ensino.
Uma carga viral mais alta significa transmissibilidade ou risco de contágio maiores. Ainda que apresentem sintomas de covid-19, como febre, coriza e tosse, esses indícios são facilmente confundidos com os de doenças comuns na infância, como gripes e resfriados. Por isso, acrescentou Lael, isso prejudica o diagnóstico preciso de coronavírus.
Alessio Fasano, diretor do Centro de Pesquisa em Imunologia e Biologia da Mucosa do MGH, acrescenta que as crianças não estão imunes à doença, no entanto, seus sintomas não se relacionam à exposição e infecção:
— Durante a pandemia, nós rastreamos, principalmente os indivíduos sintomáticos. Portanto, nós concluímos, erroneamente, que a vasta maioria dos infectados era composta por adultos. Entretanto, nossos resultados mostram que as crianças não estão protegidas contra o vírus. Não devemos descartá-las como potenciais disseminadoras do coronavírus.
Dessa forma, diz o estudo, cresce a preocupação com a reabertura das escolas, pois isso pode servir de combustível para a maior propagação do vírus.
Em nível individual, diz o texto, as famílias estão preocupadas em como o sars-cov-2 pode afetá-las. Contudo, há uma preocupação maior no que diz respeito às famílias de classes socioeconômicas baixas. Isso porque a prevalência do coronavírus nessas camadas é maior e a coabitação multigeracional também é alta, o que aumentaria o risco de transmissão para pessoas mais velhas, como avós, por exemplo.
No levantamento feito no Mass General Hospital for Children (MGHfC), 51% das crianças com infecção vieram de comunidades de baixa renda, contra 2% de comunidades de alta renda.