Ao editar um novo decreto sobre o distanciamento controlado, o governo do Estado permitiu aos municípios com bandeira amarela e laranja estabelecer regras próprias para lidar com diferentes circunstâncias na administração da quarentena. Todavia, o Palácio Piratini fixou requisitos cumulativos para aprovações dos sistemas locais, cuja liberação dependerá de aval unânime da Secretaria de Saúde e da Procuradoria-Geral do Estado (PGE).
O documento foi publicado domingo (31) e logo gerou polêmica pela sensação de que se tratava de uma flexibilização irrestrita concedida aos prefeitos.
Na prática, o gestor que desejar mudar critérios de distanciamento, ocupação dos espaços públicos e privados, modelos de operação, entre outros protocolos, terá de apresentar um detalhado plano ao governo do Estado.
Baseado em justificativas técnicas e científicas e prevendo medidas de compensação às eventuais liberações propostas, a nova estratégia deverá ser assinada por um responsável técnico e será submetida à comissão do governo do Estado. Não é necessário um aval prévio do governo para que os modelos sejam implementados. No entanto, se algum dos requisitos não forem cumpridos o município será notificado.
— Já temos todo um protocolo no nosso modelo de distanciamento. Vamos analisar as mudanças sugeridas pelos municípios e dizer se estão em consonância com os cuidados que pretendemos manter. A ideia não é proibir, mas respeitar peculiaridades locais que possam ser atendidas sem risco à saúde pública. Se for assim, vamos liberar – comenta o procurador-geral do Estado, Eduardo Cunha da Costa.
Autor do decreto e um dos mais influentes integrantes do primeiro escalão do governo, Costa diz que as mudanças foram sugeridas a partir de reivindicações dos prefeitos. Ele chegou a anunciar que eventual chancela teria participação do MP, mas o órgão esclarece que só atuará se houver desobediência aos critérios estabelecidos no decreto estadual. Em muitas cidades, as regras estaduais estavam comprometendo determinadas atividades, mesmo em um cenário de controle da pandemia e de boa estrutura da rede de saúde pública.
— Os municípios sempre tiveram autonomia. Estamos reconhecendo isso e permitindo que eles elaborem seu próprio sistema. Claro que não é um liberou geral. Vamos fiscalizar, acionar o MP e ajuizar ações se for necessário. Mas se o sistema dele protege a população, não tenho por que proibir. Estamos descobrindo isso juntos. O vírus está entre nós. Ou encontramos um modelo de convivência ou fugimos para as cavernas — afirma Costa.
Especialistas veem as mudanças com cautela. Reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e à frente do processo de testagem que estuda o grau de contágio da pandemia no Estado para subsidiar as decisões do governo, Pedro Hallal considera prematuro permitir que os municípios possam criar regras mais flexíveis.
Hallal afirma ser mais prudente que que o Estado tenha poder veto prévio, impedindo a entrada em vigor de medidas mais brandas na tentativa de evitar aumento do contágio:
— Sou a favor de permitir que o município tenha poder de adotar sozinho regras mais rígidas do que as do Estado, e não regras mais tímidas. Nas pequenas cidades, a pressão é maior, as pessoas vão protestar na frente da casa do prefeito — exemplifica o reitor.
Para o chefe do Serviço de Infectologia do Hospital de Clínicas, Eduardo Sprinz, o novo modelo pode ser bem-sucedido, a depender da manutenção da atual taxa de transmissão da covid-19. O médico sustenta que, pelas regras atuais, cada pessoa infectada no Estado está passando a doença para mais uma. Se esse número subir, será preciso rever as medidas de contenção.
— Nessa pandemia, o hoje é sempre reflexo de duas semanas atrás. Se daqui a duas semanas as internações em UTIs subirem muito, esse modelo terá de ser revisto. Em Porto Alegre, houve um avanço e as internações aumentaram, estamos tendo surtos isolados em hospitais. Acho que dava para segurar um pouco mais nas restrições, mas tudo é novo. Não há um modelo a ser seguido, nunca passamos por isso antes. Importante é ter consciência de que pode ser necessário um recuo ali adiante.