Remdesivir é o nome do medicamento que despontou como a grande aposta norte-americana na batalha contra o coronavírus no noticiário internacional, na noite desta quinta-feira (16). Isso porque o hospital da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, que realiza um estudo sobre esta medicação, deixou vazar detalhes de um ensaio clínico que revela a recuperação de pacientes que apresentavam febre e sintomas respiratórios graves.
O antiviral remdesivir, desenvolvido pela farmacêutica estadunidense Gilead Science, foi aplicado em 125 pessoas diagnosticadas com a covid-19, sendo que 113 delas estavam em caso grave. A alternativa gerou euforia na bolsa de valores, e as ações da Gilead disparam em 16%.
Os pacientes foram tratados com doses diárias da droga e se recuperaram em menos de uma semana. Em entrevista ao canal norte-americano CNN, Kathleen Mullane, líder da pesquisa, afirmou que "a maioria dos pacientes já teve alta". Ainda como resultado do estudo, foi registrada a morte de duas pessoas.
Este antiviral foi criado, em 2013, para combater o surto de ebola no Congo. Ele chegou a passar por testes in vitro, mas não avançou para as outras fases dos ensaios clínicos, ou seja, não foi aplicado em pessoas. Além disso, com o fim do surto da doença, em 2016, estudos foram interrompidos e órgãos de fiscalização como o Food and Drug Administration (FDA), dos EUA, não o aprovaram. Quer dizer, ele ainda tem caráter experimental.
O remdesivir foi testado, também in vitro, para Síndrome respiratória aguda grave (Sars) e também para a Síndrome respiratória do Oriente Médio (Mers). Ana Paula Herrmann, professora do departamento de Farmacologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), relata que os resultados in vitro para esses outros dois tipos de coronavírus foram promissores e serviram de impulso para que fosse testado contra a covid-19:
— Há plausibilidade de funcionar, porque ele ataca uma proteína específica do vírus que é essencial para a reprodução do seu conteúdo genético. Uma vez que isso é inibido, o vírus para de se multiplicar nas células do corpo. Contudo, é preciso cautela, porque este ensaio ainda está em fase de recrutamento de pacientes. Originalmente, 4 mil pessoas serão testadas e, até o momento, somente 125 foram recrutadas. Por enquanto, temos relatos anedóticos e essa notícia é resultado de um vazamento, não é oficial. Tudo é muito preliminar.
Precaução é a palavra da vez
O professor do departamento de Farmacologia da UFRGS, Rafael Scheffel, também concorda que os resultados em laboratório obtidos com remdesivir são promissores, mas tem uma objeção.
— Esses dados dos estudos in vitro em relação aos coronavírus que provocam a Sars e o Mers transformam esta droga em um belo candidato ao tratamento para a covid-19. Entretanto, os dados são muito frágeis, porque não foram publicados. O que temos é a fala de um vídeo vazado. Este remédio tem patente da indústria farmacêutica e, até agora, essa notícia gerou mais ganho financeiro para a empresa do que cuidado para com os pacientes. Na verdade, os dados que têm surgido em relação a tratamentos para esta doença apresentam muitos problemas técnicos — avalia Scheffel.
Ele se refere ao estudo divulgado, na última sexta-feira (10), na revista científica New England Journal of Medicine, uma das publicações mais prestigiadas do mundo na área da medicina, que apresenta diversas inconsistências. Os autores do artigo trataram por 10 dias, com o antiviral produzido pela Gilead Sciences, pacientes com quadro grave de covid-19. Do total de 53 pacientes, 36 melhoraram seu estado de saúde, sendo que 17 deles foram retirados dos respiradores.
O problema é que, além do baixo número de participantes da pesquisa, o medicamento foi ministrado como parte de um estudo de uso compassivo — tratamento não totalmente avaliado —, quando o ideal seria sua oferta na modalidade duplo-cego — que é o método no qual nem paciente, nem examinador sabem o que está sendo utilizado, placebo ou o medicamento a ser testado.
Rigor no método
Alice Zelmanowicz, professora de Epidemiologia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), explica que aplicar testes duplo-cego é importante para entender e verificar a real eficácia do remdesivir. Segundo ela, agora não se sabe se a melhora foi provocada pela curva natural da doença, por real eficácia do medicamento ou algum efeito psicológico.
— A pandemia não pode abrir precedentes para que a fragilidade na estrutura dos estudos se torne frequente — resumiu.
Essa também foi a posição da própria Universidade de Chicago que, em resposta à agência de notícias Reuters, afirmou que "dados parciais de um estudo clínico em andamento são, por definição, incompletos e nunca devem ser usados para tirar conclusões" e que as informações foram divulgadas sem autorização.
A expectativa é de que a Gilead divulgue os resultados do estudo, que está em fase avançada — estágio 3, onde esta é a etapa final — até o final deste mês.