Na linha de frente no combate ao coronavírus em todo mundo, os profissionais de saúde estão cada vez mais vulneráveis à doença. No Rio Grande do Sul, já são 1.984 trabalhadores da área da saúde afastados por consequências da pandemia nas 18 maiores cidades e nas duas das principais instituições de saúde pública da Capital: Complexo Hospital Conceição (GHC) e Hospital de Clínicas. O número é 29% maior do que há 20 dias, quando GaúchaZH fez o levantamento pela primeira vez e apurou que 1.537 profissionais haviam sido retirados de suas atividades. Entre os quase 2 mil afastados, 117 já testaram positivo para covid-19 — número que quase triplicou em 20 dias, quando eram 40 confirmados — e 999 são suspeitos da doença. Os demais estão em casa por sintomas de gripe e por integrar o grupo de risco.
O levantamento foi feito por GaúchaZH na terça (21), quarta (22) e quinta-feira (23). Foi enviado um questionário para as 18 prefeituras e as duas instituições solicitando o número de profissionais afastados por envolvimento com as consequências ligadas ao coronavírus, como grupos de risco, sintomas de gripe, suspeita e confirmação da doença. Todos responderam, exceto Cachoeirinha, que não soube detalhar quantos dos afastamentos tinham ligação com a pandemia.
O crescimento foi puxado pelo salto no número de afastamentos no Grupo Hospitalar Conceição (GHC) neste período. Há 20 dias, o GHC tinha 279 servidores que deixaram suas funções devido à covid-19. Agora são 865, dos quais 689 são suspeitos, 48 testaram positivo e 128 estão no grupo de risco. Foi do complexo hospitalar a primeira morte de profissional de saúde por coronavírus no Estado: a técnica em enfermagem Mara Rúbia Silva Cáceres, 44 anos, em 7 de abril.
O diretor administrativo GHC, Cláudio Oliveira, afirma que o hospital possui um quadro de funcionários com idade mais avançada. Segundo ele, não é possível afirmar que os profissionais pegaram a doença dentro da área hospitalar:
— A transmissão não é concentrada, são pessoas de várias áreas distintas, até de vários hospitais. Como a transmissão é comunitária não temos certeza de onde a pessoa pegou. O complexo tem quatro hospitais, 12 unidades de saúde, três Caps (Centro de Atenção Psicossocial) e uma UPA.
Todo o complexo hospitalar possui 9,2 mil funcionários. A instituição comprou 10 mil testes rápidos, mas há atraso na entrega dos lotes. Frente a situação, o GHC recebeu a autorização, em caráter excepcional, para contratar 1,5 mil profissionais. A área de Recursos Humanos está recebendo as demandas dos gerentes e avaliando as necessidades com a diretoria do GHC. Em um primeiro momento, serão chamados somente para o Hospital Nossa Senhora da Conceição 20 médicos e para a UPA Moacyr Scliar, 10 médicos.
O Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) sai na frente porque consegue diagnosticar seus profissionais dentro da própria instituição, sem precisar entrar na fila de testes do Laboratório Central de Saúde Pública do Rio Grande do Sul (Lacen) — recurso que o GHC não dispõe. Com isso, o Clínicas tem apenas 36 afastados — entre suspeitos e confirmados.
O gerente de Risco do HCPA Ricardo Kuchenbecker explica que a instituição utilizou recursos próprios e desenvolveu uma metodologia, seguindo o Centro de Prevenção de Controle de Doenças norte-americana e validada pelo Lacen, que permite que os profissionais sejam testados no hospital com resultados que saem em menos de 24 horas. Essa agilidade traz diversos reflexos na operação:
— Conseguimos diminuir a exposição do profissional, evitando que ele trabalhe com sintomas, e do seu conjunto de contactantes, dos colegas de trabalho, pacientes e familiares.
O teste feito no Clínicas é o PCR, que detecta a presença do vírus já nas primeiras horas de contaminação. Na avaliação de Kuchenbecker, o exame traz uma informação fundamental para quem está em atendimento. Ao mesmo tempo em que reduz o contato dela com outras pessoas, diminui o tempo em que é afastada, caso o teste aponte negativo para covid-19.
— O insumo mais importante do Rio Grande do Sul não é leito, são os testes. É o acesso aos testes. A testagem é útil para proteger áreas muito críticas como a UTI, onde a exposição é muito maior — afirma.
Em Sapucaia do Sul, a prefeitura ampliou a testagem para todos os trabalhadores sintomáticos e obtém resultado em menos de 48 horas. Ainda assim, 108 profissionais estão afastados. Entre as prefeituras, Novo Hamburgo é a que registra maior quantidade de profissionais afastados, são 258, dos quais 165 tem sintomas de gripe e são suspeitos de ter coronavírus. Em Porto Alegre, são 71 profissionais ligados a Secretaria Municipal de Saúde afastados. No sul do Estado, Pelotas, com apenas 23 afastados, trabalha com escalas conjuntas entre os hospitais e a secretaria para fazer remanejamentos de serviços eletivos, que não estão funcionando.
*Colaborou Jhully Pinto