Após ver a proposta de autorizar o cultivo de maconha para uso medicinal ser vetada na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o diretor-presidente do órgão, William Dib, afirmou que uma nova tentativa de aval ao plantio pela sociedade ou Congresso é apenas "questão de tempo".
Em entrevista às vésperas de terminar o mandato, Dib diz que o veto deverá levar a um aumento nas ações judiciais sobre o tema. O diretor-presidente deixará a agência nesta quinta-feira (19). Seu mandato vai até 26 de dezembro.
— Não regulamentando, a Anvisa não vai poder reclamar se o Judiciário e outras instituições avançarem no plantio desregulamentado e sem garantias mínimas de qualidade e segurança. Torço para que não haja uma progressão geométrica desses pedidos de plantio — afirma. — Mas o aumento vai acontecer.
Na última semana, diretores acabaram por rejeitar a proposta por três votos a um, o que, na visão de Dib, mostra que "o poder de convencimento do governo foi eficaz".
— Os diretores que votaram a favor da consulta pública por unanimidade mudaram de opinião. É normal. Faz parte do processo, e não posso responder por eles. Mas acredito que é questão de tempo para a sociedade ou o Congresso achar caminhos para a regulamentação do cultivo.
Para o diretor-presidente, porém, os argumentos apresentados para derrubar a proposta eram contraditórios.
— A realidade é que todos os lugares têm Cannabis para uso recreativo. Se não tiver, levam até onde você está, e por um preço extremamente módico se comparar com o da Cannabis medicinal. Além disso, o número de plantios que poderia haver no nosso país não seria significativo diante do número que existe hoje autorizado judicialmente. Não acredito que o Brasil tivesse mais que cinco ou 10 plantios.
O veto à medida foi comemorada por membros do governo. O ministro da Cidadania, Osmar Terra, classificou o veto ao cultivo como "vitória". Dib, porém, nega que tenha sido derrotado pelo governo.
— Se isso os agradar, "ganhamos do presidente da Anvisa", vou até colocar no meu currículo. Quem sou eu para ser derrotado pelo governo? — ri.
Apesar do veto ao cultivo, o diretor diz avaliar que a agência deu um passo à frente ao aprovar regras que permitem a produção, registro e venda nas farmácias de produtos à base de Cannabis. A medida, avalia, deverá estimular pesquisas e dar acesso a produtos mais confiáveis do que aqueles que hoje são obtidos por meio de importação.
— Para ser produtor desse medicamento à base de Cannabis, a empresa terá que ter certificado de boas práticas de fabricação, algo que no processo atual não podemos exigir.
Na visão do diretor, o aumento da oferta e da segurança, porém, não deverá vir acompanhado de uma redução nos preços a curto prazo.
— Não ficará, ao menos nos primeiros anos, mais barato. Como não temos (o insumo), vamos ter que comprar. Se os países tiverem isso sobrando, o preço será mais baixo. Se estiver faltando, pagaremos mais caro. Mas ficaremos na dependência do mercado produtor — diz ele, para quem o cenário pode mudar nos próximos anos.
Hoje, segundo Dib, o custo de remédios à base de maconha é caro porque a importação e a autorização são individuais.
— A partir de agora, pode trazer um contêiner e colocar em farmácia, e ter estoque. Não podemos garantir agora que fique já mais barato. Mas, na teoria, com o passar do tempo, sim, porque virá em quantidade.
Já o controle deverá ser semelhante ao que ocorre hoje para medicamentos e demais produtos controlados, com cobrança de receitas do tipo azul e amarela e controle de fraudes. A expectativa é de que os primeiros produtos comecem a chegar nas farmácias já no próximo ano.