A afirmação do ministro da Cidadania, Osmar Terra, de que a maior causa de acidentes de trânsito com morte em Porto Alegre é a maconha, em vez do álcool, é falsa. A declaração, dada na quarta-feira (4) ao programa Timeline, da Rádio Gaúcha, cita estudo do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). No entanto, a pesquisa descobriu justamente o contrário: o álcool era a substância mais presente entre os mortos.
Na conversa com Kelly Matos, Luciano Potter e David Coimbra, o ministro discutia a não liberação do plantio para fins medicinais e defendeu sua posição contra a medida. Ao salientar os prejuízos da maconha, citou o dado equivocado do estudo feito na Capital. GaúchaZH conversou com o líder do estudo, o psiquiatra e diretor do Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas do HCPA, Flavio Pechansky. A pesquisa, de 10 anos atrás, realizou análises em cadáveres que chegaram ao Instituto-Geral de Perícias (IGP) após acidentes de trânsito em Porto Alegre e na Região Metropolitana. Destes, 32,2% tinham álcool no corpo, 5% tinham maconha e 3,3% tinham cocaína.
— O dado que o ministro deu não encontra respaldo em nosso estudo. Quando a gente tira o álcool da primeira opção (de substâncias encontradas no corpo), a Cannabis vem em seguida, o que é lógico. Esse dado é encontrado em todos os estudos internacionais. Quer dizer que não tem risco fumar maconha e dirigir? Tem, sim. A maconha modifica uma série de habilidades que precisamos para dirigir, assim como o álcool — destaca o médico, também professor na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Há um segundo estudo do Hospital de Clínicas, também de uma década atrás, com pacientes que passaram pela Emergência do Hospital de Pronto-Socorro (HPS) e do Grupo Hospitalar Conceição (GHC) e que saíram vivos.
Os cientistas, também coordenados por Pechansky, analisaram as substâncias no corpo de vítimas de acidente de trânsito. A descoberta é a mesma: o álcool estava mais presente (8,3% dos casos), seguido de maconha (7,4% dos pacientes) e, em terceiro lugar, da cocaína (6,7%).
No entanto, no artigo científico que divulga este segundo estudo, há um erro de digitação em uma tabela que mostra as substâncias mais presentes nas vítimas de trânsito. Se, em número de pacientes, é possível ver que o álcool está mais presente, a informação por porcentagem indica que a maconha estaria mais presente – aparece 9,5%.
— Há um erro de digitação. Ainda assim, foi uma análise sobre pessoas vivas que passaram por Emergências, e não de vítimas fatais, como diz o ministro. Se você ver o número de pessoas, verá que o álcool estava mais presente — afirma Pechansky.
O psiquiatra pontua que, em regiões onde o uso da maconha acaba de ser legalizado, como Estados Unidos, Canadá e Holanda, a droga cresce entre as substâncias que aparecem em pacientes internados em hospitais, mas que mais pesquisas precisam ser feitas.
Por que fizemos esta matéria?
Em entrevista ao programa Timeline, da Rádio Gaúcha, o ministro da Cidadania, Osmar Terra, afirmou que uma pesquisa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre havia provado que a maconha era a principal causa de mortes por trânsito na Capital. A reportagem foi atrás do estudo porque ele representaria uma novidade em termos de saúde pública.
Como apuramos esta matéria?
Lemos os dois estudos produzidos pelo Hospital de Clínicas sobre acidentes de trânsito e a presença de álcool e outras drogas entre os acidentados. Também entrevistamos o líder das pesquisas, o psiquiatra Flavio Pechansky, diretor do Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas do HCPA e professor de Psiquiatria da UFRGS.
Quais os cuidados que tomamos para sermos justos?
Após o ministro citar o estudo, lemos a pesquisa e entrevistamos o coordenador das análises, responsável por supervisionar os cientistas. Pechansky é, também, referência em estudos sobre álcool e outras drogas.