Mover um processo judicial em busca de tratamento médico é uma possibilidade às vezes única para pacientes, especialmente aqueles que sofrem de enfermidades raras ou que demandam medicamentos de custo proibitivo.
É o caso da vice-presidente da Associação Amigos Múltiplos da Esclerose (AME), Bruna Rocha Silveira, 33 anos, que recebeu o diagnóstico de esclerose múltipla em 2000, quando era uma adolescente. O tratamento que ela faz, um comprimido diário, tem custo de R$ 8 mil ao mês – mas ela retira a droga sem custos, via Sistema Único de Saúde (SUS).
Na variedade que ela tem da doença, é fundamental não interromper a medicação, para que se evitem crises que geram perdas funcionais. Bruna, por exemplo, já viveu fases em que dependeu de cadeira de rodas ou ficou sem o movimento de um braço. Mediante remédios e fisioterapia, conseguiu recuperar-se. O problema é que o medicamento que ela usa falta vez por outra no sistema público.
– Quando isso acontece, bate o desespero, porque é a única coisa que controla a doença. A gente fica no pânico de ter um surto, pois pode gerar uma sequela irreversível. Aí perco o emprego, não cuido do meu filho, não cuido da minha casa. Na associação, recebemos mensagens diárias de pessoas que chegam à farmácia e não encontram medicamento. Sempre está faltando algo em algum lugar do Brasil. É uma falta total de planejamento – protesta.
É diante dessa situação dramática que muitos recorrem à Justiça. Bruna preferiu nunca fazê-lo. Buscar o Judiciário não é a política da AME.
– O cenário que temos hoje em esclerose múltipla é muito melhor do que anos atrás. Estão no SUS quase todos os medicamentos que a Anvisa já aprovou, remédios de alto custo. Incentivamos que as pessoas façam uma denúncia ao Ministério Público (MP) quando falta o medicamento, por sabermos que o custo de um paciente no Sistema Único de Saúde (SUS) é infinitamente mais baixo para o Estado do que pela judicialização. O meu remédio, por exemplo: se o busco via Justiça, custa R$ 8 mil; via licitação, o Estado o compra por R$ 2 mil. Por isso trabalhamos por política pública: no momento em que se conquista para um, se conquista para todos. Na judicialização, quando se conquista para um, é só para um – diz a dirigente da AME.
Apesar de reconhecer que a judicialização foi importante para pressionar o Estado a incluir fármacos na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename), Bruna defende que o trabalho dos pacientes e da sociedade – via participação em audiência públicas, por exemplo – deve ser para que a Conitec inclua no SUS os medicamentos que receberam registro pela Anvisa. Mas, ao mesmo tempo, evidenciando que a realidade não é tão simples, Bruna tem um exemplo de judicialização no próprio lar. Em 2013, por intermédio de seu blog, ela conheceu Jaime Fernando dos Santos Jr., que recém havia recebido o diagnóstico de esclerose múltipla e estava à procura de informações sobre a enfermidade. Eles se casaram e hoje têm um filho de três anos, Francisco.
O tipo de esclerose que Jaime tem não responde aos medicamentos existentes no sistema. Quando o casal se conheceu, ele usava bengala. Hoje, aos 37 anos, precisa de cadeira de rodas e é dependente inclusive para comer ou virar na cama. No ano passado, a Anvisa aceitou o registro de um medicamento novo, o ocrelizumabe, que tem mostrado benefício em casos como o de Jaime. Como a droga não está disponível pelo SUS, ele entrou na Justiça Estadual e conseguiu acesso.
– Entendo o paciente que move um processo. É a única esperança, a gente compreende o desespero. Há casos em que a única alternativa é fazer a judicialização – observa Bruna.
O tratamento de Jaime consiste em tomar dois comprimidos ao ano (o custo seria de R$ 120 mil). Ele já tomou o primeiro. A família ainda não sabe se a droga trará efeito positivo.