Em 1989, um ansioso vigilante mudava repetidamente as estações do rádio, nos longos turnos da madrugada, quando notou uma voz familiar. A mesma pessoa havia ligado para programas diferentes, pedindo por doadores a um parente que estava prestes a realizar uma cirurgia. João Pedro Dias Vargas, 59 anos, não só atendeu ao apelo como foi além: criou o grupo Irmãos de Sangue, que cadastra voluntários dispostos a não deixar vazios os estoques nos hospitais.
— É algo de graça, que o corpo renova assim que a pessoa doa — defende o "irmão" fundador da família solidária.
Em 25 de novembro, Dia Nacional do Doador de Sangue, a iniciativa completará 30 anos. O número de cadastrados, 170, é considerado baixo pelo tempo em que o grupo atua.
— Deveríamos ter umas mil pessoas. Infelizmente, muita gente diz que vai participar, mas não se cadastra. Se a pessoa for direto em um banco de sangue ou hospital, também estou feliz. Não buscamos aparecer, queremos ajudar. E não vamos desistir — afirma Vargas.
Após três meses da última doação — tempo mínimo exigido para doar sangue novamente —, o voluntário é contatado para ajudar mais uma vez. Com uma agenda antiga, João sorri ao dizer que há quem nem espere e já se ofereça após o período. A falta de recursos e estrutura precária são lamentadas quando ele pensa em ir às ruas divulgar o projeto.
— Preciso fazer um banner novo, pois o que uso está com o telefone desatualizado. Os panfletos são preto e branco, porque não tenho condições de pagar o colorido — lamenta.
Nas campanhas de final de ano e feriados estendidos, quando a necessidade por sangue aumenta nos hospitais, João oferece passagem de ônibus para quem vive longe da Capital e não tem condições financeiras para se deslocar até as instituições. Em três décadas de voluntariado, um caso ainda mexe com ele, que fica de olhos marejados ao relembrar da menina de nove anos que ficou entre a vida e a morte na Santa Casa de Misericórdia. Tratando uma leucemia, a criança foi salva pelos irmãos de sangue e pediu para a avó que encontrasse quem a ajudou.
— Ela dizia "eu quero conhecer o tio que me ajudou". Fui ao hospital e ela me deu um abraço forte. Esse é meu pagamento. É algo que não tem preço — relembra.
Ajuda para os filhos gêmeos
No início da década, Vargas precisou do apoio da rede criada por ele. Grávida de gêmeos, sua ex-mulher teve um parto prematuro, com pouco mais de seis meses de gestação.
— Meus dois guris nasceram com 1 quilo cada e ficaram mais de dois meses internados. Felizmente muita gente ajudou e hoje eles têm oito anos e estão super bem.
Vargas divide o trabalho de pedreiro com a organização das ações de conscientização. Na sala do apartamento em que vive no centro de Porto Alegre, exibe orgulhoso um quadro com fotos das ações e reuniões com quem se uniu à causa. Tampinhas de garrafa e lacres de latinha enfeitam os armários antes de serem doados ao Instituto do Câncer Infantil.
O telefone para contato, com WhatsApp, é (51) 98535-1521. Minutos após a entrevista à Rádio Gaúcha, na qual Vargas divulgou o número, na manhã desta segunda-feira (23), a linha direta foi acionada duas vezes, por uma mulher que se inscreveu no grupo e um homem que precisa de ajuda para o seu sogro, o idoso Antônio de Assis Morais, internado no Hospital Dom Vicente Scherer para um transplante de rim.
— Estamos desesperados. Liguei o rádio, ouvi a entrevista e a esperança voltou. Já sou doador, mas nunca imaginei que minha família fosse precisar. Prometo participar mais — contou Rodrigo Macedo, 37 anos, que busca 20 pessoas dispostas a doar sangue de qualquer tipo, enquanto transmitia, ao telefone, os dados para se tornar um irmão de sangue de Vargas.