No celular, na TV, no rádio, nos jornais, nas revistas, em outdoors, em estádios de futebol, nos trens da Trensurb. A sociedade gaúcha vai estar cercada por mensagens sobre o tema do suicídio nos próximos meses, em uma tentativa de engajar toda a população nos esforços para prevenir esse mal, que ceifa quatro vidas por dia no Rio Grande do Sul.
Uma iniciativa do movimento #genteajudandogente, a campanha, que ganha as ruas nos próximos dias, foi lançada nesta quinta-feira (12), em Porto Alegre, com a participação de apoiadores, especialistas e autoridades. Desenvolvido de forma voluntária pela agência Moove, o material publicitário adota três orações sucintas como mote ("Ofereça ajuda. Peça ajuda. Salve uma vida") e parte do princípio de que todo potencial suicida dá sinais que podem ser identificados por quem está no entorno, permitindo uma ação preventiva.
— Essa é uma pauta necessária. Ao longo dos anos jogamos um manto de silêncio sobre esse assunto e isso não resolveu. Todo mundo tem alguém próximo que cometeu esse desatino. Eu tive um irmão que, com 42 anos, interrompeu a vida. Talvez, se a gente tivesse atentado para os sinais, não teria acontecido. Morrem quatro pessoas por dia e vamos achar que não devemos falar em suicídio? — questionou o jornalista Júlio Ribeiro, presidente do Clube de Opinião do Rio Grande do Sul e criador do #genteajudandogente, durante a cerimônia de lançamento, ocorrida na Casa dos Conselhos de Porto Alegre.
O movimento #genteajudandogente foi criado no ano passado, com a ideia de promover ações coordenadas na sociedade. A primeira iniciativa foi de auxílio a famílias de venezuelanos que estavam chegando ao Brasil por Roraima e resultou na arrecadação de 20 mil itens de higiene. Vários atores juntaram-se para a campanha deste ano, lançada em meio ao Setembro Amarelo, mês de prevenção ao suicídio: o Rotary Club Glória Teresópolis, o Centro de Promoção à Vida e Prevenção ao Suicídio (CPV) do Hospital Mãe de Deus, o Centro de Valorização da Vida (CVV), a Secretaria Estadual da Saúde, o Pão dos Pobres, o Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE-RS), a Fundação dos Rotarianos de Porto Alegre (Furpa) e a Trensurb. Os grupos de comunicação do Estado, incluindo o Grupo RBS, apoiaram a iniciativa e vão veicular as peças da campanha, que deve se estender até janeiro.
No evento de ontem, a agência Moove exibiu os vídeos para TV, os spots de rádio e as demais peças da campanha, que trabalha cinco pilares: a contextualização do problema, o alerta para que se tenha atenção aos sinais de risco, a conscientização do papel de cada um, o incentivo ao pedido de ajuda e a informação sobre as redes de apoio. Uma das peças apresentadas é uma faixa em que se apresenta o dado das quatro mortes diárias por suicídio. A ideia é que as equipes de futebol de Grêmio e Inter se perfilem em campo com a faixa, mas desfalcadas de quatro jogadores, que depois se unem ao resto do time.
Presente ao evento, a secretária estadual da Saúde, Arita Bergmann, afirmou ter ficado emocionada e impactada com o material exibido. Ela ressaltou a importância de que a mensagem chegue às comunidades locais, em todo o território gaúcho, e garantiu o apoio do governo do Estado:
— Essa é uma causa de grande relevância. Como é que mudamos as taxas que temos? É falando, atuando, promovendo. E isso não se faz só pelo governo, mas pela mobilização da sociedade civil. As cores do Rio Grande do Sul terão de se mobilizar para identificar as pessoas que precisam de ajuda — disse.
O movimento #genteajudandogente informa que a campanha de prevenção ao suicídio também contará com uma programação de palestras, capacitação de multiplicadores e eventos para pessoas solitárias.
Por que é tão importante falar sobre o assunto?
Durante muito tempo, não se falava em suicídio por receio de incentivar novos casos, mas atualmente os especialistas estão convencidos de que é importante dar visibilidade ao problema e que campanhas como a que foi lançada ontem em Porto Alegre podem evitar muitas mortes.
Liziane Eberle, porta voz do Centro de Valorização da Vida (CVV), entidade que dá suporte nas 24 horas do dia pelo telefone gratuito 188, oferece um exemplo flagrante disso. Recentemente, o programa Fantástico, da Rede Globo, apresentou uma série de reportagens sobre saúde mental, que abordavam temas como a depressão.
Bastou isso para que o número diário de ligações para o CVV em busca de ajuda pulasse de 12 mil para 24 mil. A quantidade de telefonemas, revela Liziane, continua acima da média até agora, o que é atribuído ao fato de se estar falando mais de suicídio por causa do Setembro Amarelo. Nesta semana, para dar outro exemplo, representantes do CVV participaram de um programa na RBS TV e disseram precisar de voluntários. Em poucas horas, 42 pessoas ofereceram-se para ajudar.
— As campanhas são muito importantes, porque a informação chega a olhos e a ouvidos que não seriam atingidos de outra maneira. O que nós percebemos é que as pessoas não têm informação e que, quando há uma campanha ou uma divulgação, a procura por auxílio aumenta — observa Liziane.
A porta voz do CVV considera que é urgente falar de suicídio para atingir dois fins. Um deles é chegar às pessoas que estão em sofrimento, para que elas saibam onde buscar ajuda. O outro consiste em educar a população em geral para identificar sinais que são dados por quem está em risco e para saber como dar suporte nessa situação.
Ricardo Nogueira, coordenador do Centro de Promoção à Vida e Prevenção ao Suicídio (CPV) do Hospital Mãe de Deus, diz que foi fundamental derrubar o tabu segundo o qual não se fala em suicídio e afirma que o único momento em que o Rio Grande do Sul conseguiu reduzir a taxa de mortes autoinfligidas, em 12%, foi depois de uma campanha ocorrida entre 2008 e 2010, na qual se aliou o alerta à população à capacitação de profissionais. Depois, lamenta ele, os números voltaram a subir.
— Essas iniciativas dão resultado. Campanhas são fundamentais. Quando nos calamos, os casos só aumentaram. Não há como resolver um problema sem falar no problema — defende ele.
Nogueira observa que o suicídio está em queda no mundo, mas o Brasil vai na contramão, com aumento dos casos. Ele espera que a campanha do #genteajudandogente, que ajudou a formular, colabore para que se atinja a meta, estabelecida para 2020 pela Organização Mundial de Saúde (OMS), de reduzir os óbitos em pelo menos 10%.