O estudo sobre uso de drogas por brasileiros que custou R$ 7 milhões e foi censurado pelo governo federal foi divulgado nesta quinta-feira (8), após um acordo entre a Advocacia Geral da União (AGU), o Ministério da Justiça e Segurança Pública e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
A pesquisa mostra que não existe uma epidemia de uso de drogas no Brasil.
Engavetado desde 2017, o estudo teve sua divulgação proibida pelo governo federal em maio. A pasta da Justiça contestou a metodologia usada pelos pesquisadores, afirmando que a pesquisa não cumpriu todas as exigências do edital e não permitiria a comparação de dados com levantamentos anteriores.
Já a Fiocruz afirma que cumpriu todas as exigências propostas. "O levantamento é mais amplo do que os anteriores. E usou o mesmo plano amostral adotado pelo IBGE para a realização da pesquisa nacional por amostra de domicílio, o que permite um cruzamento desses resultados com dados oficiais do país."
O objetivo da liberação, segundo nota da AGU, é "promover a transparência e o acesso aos dados científicos da pesquisa" à sociedade.
No entanto, o acordo também prevê que as partes envolvidas não devem "tecer considerações, neste momento, sobre o mérito do cumprimento ou não dos termos do edital".
Segundo o órgão, novos debates serão feitos para definir se a Fiocruz cumpriu as exigências.
A pesquisa, financiada pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), órgão do Ministério da Justiça, ouviu quase 17 mil pessoas no país em 2015. Foram 400 pesquisadores, técnicos, entrevistadores de campo e equipe de apoio envolvidos no trabalho.
O seu resultado deveria servir de subsídio na elaboração de políticas de prevenção e controle dos problemas do uso abusivo de drogas. Mas eles não foram divulgados nem mesmo por solicitações feitas, inclusive pela Folha de S.Paulo, usando a Lei de Acesso à Informação.
Parte do conteúdo do chamado "Terceiro levantamento nacional sobre o uso de drogas pela população brasileira" veio a público em reportagem do The Intercept, em 31 de março.
Os dados revelados mostraram que a epidemia de drogas que o governo e parlamentares veem propagando não existe de fato. O levantamento aponta, por exemplo, que quase 10% da população já usou alguma droga ilícita uma vez na vida - taxa semelhante a de outros países.
O crack foi consumido por 0,9% da população alguma vez na vida, 0,3% fez uso no último ano e apenas 0,1% nos últimos 30 dias anteriores à pesquisa. No mesmo período, a maconha foi usada por 1,5%, e a cocaína, por 0,3% dos brasileiros.
O problema de maior destaque revelado pela pesquisa é o uso do álcool: 66,4% dos brasileiros já fizeram uso de bebidas alcoólicas na vida, 43,1% no último ano e 30,1% nos últimos 30 dias. Outros estudos vêm apontando o uso abusivo do álcool como um problema crescente entre os mais jovens e os mais velhos, relacionado à violência e a doenças diversas.
Uma análise recente do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa) mostrou, por exemplo, um aumento no número de internações (6.9%) e mortes (6,6%) de pessoas com mais de 55 anos relacionadas ao consumo de bebidas alcoólicas.