Nosso corpo parece se adaptar ao esforço físico prolongado e repetido e à sua necessidade energética queimando menos – em vez de mais – calorias ao longo do dia, mesmo quando mantemos nossos esforços no mesmo nível, de acordo com um novo estudo de gasto de energia conduzido durante uma corrida de 20 semanas pelos Estados Unidos.
O estudo está entre os primeiros a quantificar os limites superiores da resistência e do gasto energético diário dos seres humanos, quer alguém esteja correndo por todo o país, competindo no Tour de France ou grávida. Os achados contraintuitivos do estudo têm implicações para os atletas, para nossa compreensão da evolução humana e para nossas esperanças de que o treinamento para uma maratona ou outro evento de resistência possa nos ajudar a perder peso.
Para a maioria das pessoas, parece óbvio que, quando estamos fisicamente ativos, queimamos mais calorias do que quando somos sedentários. Quanto mais trabalhamos, mais calorias gastamos, ad infinitum.
Porém cada vez mais pesquisas sugerem que há limites. Um estudo de 2012 sobre gasto energético entre caçadores-coletores modernos, por exemplo, descobriu que, apesar de estarem em movimento quase o dia todo, os membros da tribo queimavam o mesmo número de calorias diárias que aqueles que passam a maior parte do tempo à mesa do escritório. Na verdade, o corpo dos membros da tribo parecia ter encontrado maneiras de reduzir seu gasto energético geral diário, mesmo que eles continuassem a se mover.
Os autores do estudo concluíram que essa descoberta fazia sentido do ponto de vista evolutivo. Quanto menos calorias nossos antepassados tivessem de gastar nos dias em que caçavam, menos comida teriam de consumir.
Mas o limite calórico humano permanecia desconhecido e difícil de quantificar. Os cientistas entenderam que encontrá-lo exigiria estudar as pessoas que se exercitavam regularmente, ou que chegavam perto de seus limites físicos, para ver como seu metabolismo respondia ao longo do tempo.
Então, em 2015, surgiu a situação perfeita. Em um evento único chamado de Corrida pelos EUA, os participantes atravessariam o país a pé, da Califórnia a Washington, correndo aproximadamente uma maratona quase todos os dias por cerca de 20 semanas.
Um grupo de cientistas, incluindo alguns que realizaram o estudo de 2012 com os caçadores-coletores, pediu para monitorar o metabolismo dos corredores. Seis participantes concordaram, e os pesquisadores mediram seu gasto energético diário basal na semana anterior ao início da corrida. Usaram uma técnica padrão chamada água duplamente marcada, em que o hidrogênio e o oxigênio são substituídos por isótopos que mostram a produção de dióxido de carbono do corpo.
Os pesquisadores repetiram o teste metabólico a cada dia durante a primeira semana de maratonas diárias e, novamente, durante a semana final, cerca de cinco meses depois. (Apenas três dos voluntários originais permaneceram na corrida.)
As mudanças nos gastos de energia dos corredores foram impressionantes. Em sua primeira semana de repetidas maratonas, os corredores queimaram cerca de 6,2 mil calorias por dia em média, um aumento acentuado sobre seu gasto energético típico da semana anterior – e cerca do que seria esperado com base em seu novo nível de atividade.
No entanto, 20 semanas mais tarde, embora estivessem correndo tanto quanto e quase no mesmo ritmo, os atletas tinham perdido pouco peso, e gastaram em média aproximadamente 600 calorias a menos por dia em comparação com a primeira semana.
No fim do evento, os pesquisadores calcularam que os corredores estavam gastando cerca de 2,5 vezes sua taxa metabólica de repouso a cada dia, um declínio notável desde os primeiros dias do evento, quando estavam queimando pelo menos 3,5 vezes sua taxa de repouso.
Para entender melhor o significado de seu achado, os pesquisadores passaram por alguns estudos anteriores de gasto energético que usaram água duplamente marcada. Estes envolveram participantes de outras atividades físicas longas e extensivas, incluindo o Tour de France, expedições árticas, ultramaratonas, maratonas e até mesmo a gravidez.
Os pesquisadores descobriram que, em todos os eventos que duravam mais de 12 horas, o gasto energético dos participantes tendia a aumentar substancialmente e, então, ao longo do tempo, declinava, até se estabilizar em torno de 2,5 vezes sua taxa metabólica de repouso diária.
Os pesquisadores também examinaram estudos passados de sobrealimentação, em que as pessoas se empanturravam de alimentos para ver quanto peso ganhavam, e com que velocidade, e descobriram que a maioria ganhou quilos a uma taxa que sugeria que podiam absorver cerca de 2,5 vezes suas necessidades calóricas básicas. Ou seja, os participantes podem ter consumido mais calorias, mas seu corpo não conseguia processar nada além desse limite.
Nosso corpo parece, de alguma forma, ter se tornado capaz de reconhecer quando estamos em perigo de violar a barreira além da qual não podemos facilmente repor a energia perdida – cerca de 2,5 vezes a nossa taxa metabólica básica, disse Herman Pontzer, professor associado de antropologia evolutiva na Universidade Duke, que supervisionou o novo estudo com John Speakman e outros. Se nos aproximamos repetidamente dessa barreira, por exemplo, correndo maratonas dia após dia, aparentemente reduzimos nossa queima de energia diária.
Como nosso corpo gerencia esse feito ainda é um mistério, disse Pontzer, embora o processo provavelmente envolva inconscientemente fazer menos movimentos quando não estamos nos exercitando e transferindo energia de alguns processos fisiológicos, como nossa resposta imunológica.
Para atletas de elite, esses achados sugerem que pelo menos parte do que limita a resistência humana, impedindo que atletas e exploradores façam mais atividades e mais rapidamente do que já conseguem, é que "há um limite para o que as pessoas podem comer", disse Pontzer.
O outro lado da mensagem, no entanto, pode se aplicar àqueles que nunca vão correr maratonas, mas que esperam que o treinamento para uma única corrida leve à perda de peso, disse ele.
Os mesmos mecanismos fisiológicos que reduzem o gasto energético de corredores em provas de resistência de vários dias podem retardar as respostas metabólicas ao longo de semanas e meses de preparação para uma maratona, afirmou ele.
Talvez isso explique por que algumas pessoas que treinam para essa disputa acabam ganhando peso.
Por Gretchen Reynolds