Passado um ano da confirmação do surto de toxoplasmose em Santa Maria, região central do Estado, o esquecimento é o maior risco quanto a uma doença silenciosa e perigosa que pode se manifestar até 10 anos depois de ser contraída.
Enquanto autoridades de saúde tentam descobrir a origem da doença, uma das principais preocupações segue viva entre os moradores do município: os problemas oculares que podem ser causados, como destaca o presidente da seccional gaúcha da Sociedade Brasileira de Infectologia, Alexandre Schwarzbold:
— Saímos de uma fase epidêmica e vivemos em uma fase quase dentro do padrão normal da doença. Se antes nós víamos, no mínimo, 10 casos por semana, agora temos isso no mês. O problema é o reflexo crônico da doença, o ocular, sobretudo. As pessoas que tenham alterações oculares e que nunca tenham tido, devem necessariamente procurar um oftalmologista. No caso da toxoplasmose, quanto antes se consegue cuidar do caso, menos chance de ter complicação.
Ele ainda destaca que não é necessária uma corrida ao oftalmologista, já que o especialista só poderá detectar algum tipo de problema a partir do sintoma:
— Ele só vai conseguir ver isso quando as pessoas tiverem alteração ocular. Não adianta ter aquela corrida maluca para o oftalmologista sem ter sintoma, só porque, por exemplo, tomou a mesma água que alguém, que teve toxoplasmose. Mas é importante, o mais precocemente possível quando nota qualquer sintoma de alteração ocular.
Já sobre a questão que envolve a liberação para que a população tome ou não água da torneira, Schwarzbold é enfático ao dizer que essa é uma responsabilidade "da companhia e do Estado":
As pessoas que tenham alterações oculares e que nunca tenham tido devem necessariamente procurar um oftalmologista.
ALEXANDRE SCHWARZBOLD
Presidente da seccional gaúcha da Sociedade Brasileira de Infectologia
— Acho que nós, infectologistas, não podemos muito opinar sobre a água agora porque essa é uma questão técnica. A Corsan diz que as pessoas podem beber tranquilamente porque a companhia atesta que tem condições adequadas. Então, se a Corsan diz que a água está adequada, nós não podemos contraindicar para as pessoas. Podemos insistir para sempre se higienizar os hortifrutigranjeiros.
Paciente tem perda total da visão no olho esquerdo
Em meio ao empurra-empurra de responsabilidades das autoridades, Maria de Fátima Grais Ferreira, 66 anos, integra a preocupante estatística de pessoas vitimadas pelo surto. Ainda no começo do mês passado, o que a idosa tanto temia se confirmou: estava com toxoplasmose em quadro muito avançado.
Moradora do Parque Pinheiro Machado – bairro com maior incidência de casos (123 pessoas com a doença) –, em pouco tempo ela teve a perda total da visão do olho esquerdo. Mas até o diagnóstico, Fátima enfrentou um calvário na rede municipal de saúde, além da falta de um diagnóstico preciso que apontasse a toxoplasmose. Com sintomas como diarreia e vômito, ela procurou o Pronto Atendimento (PA) Municipal, onde foi informada para se tratar de uma virose.
Nos dias seguintes, notou que a visão ficou embaçada. Depois disso, buscou várias unidades de saúde. Nessas idas e vindas, Fátima já percebia uma dificuldade cada vez maior de enxergar. Foi aí que a filha resolveu pagar um oftalmologista particular para descobrir o que a mãe tinha:
— Como ela estava cada vez pior da visão, marquei um médico particular que atestou que se tratava da toxoplasmose. Como sabia que tinha tratamento pelo SUS para a doença, voltamos para a rede pública. Ela passou a manhã inteira na UPA e foi encaminhada a outra unidade até a mandarem à Secretaria de Saúde, onde permaneceria em uma fila de atendimento. Eu ligava para a prefeitura e ninguém sabia informar sobre como proceder — relembra, em tom de indignação, Franciele Buzzatti, filha de Maria de Fátima.
Como o oftalmologista havia pedido urgência para que o caso não se tornasse "irreversível", Franciele resolveu procurar a imprensa e contar a história da mãe. Após veiculação de reportagem no Jornal do Almoço da RBS TV Santa Maria, na tarde do mesmo dia, a Secretaria Municipal de Saúde viabilizou atendimento na chamada Casa 13 — onde a prefeitura afirma centralizar atendimentos para pacientes com toxoplasmose.
Olha o meu caso. Imagina tu perder tua visão? É um descaso da prefeitura. Minha vida foi arruinada em função da omissão do poder público.
MARIA DE FÁTIMA GRAIS FERREIRA
Moradora de Santa Maria
Hoje, a rotina de Maria de Fátima – que já convivia com uma doença autoimune chamada púrpura e ainda com problemas no coração – foi ainda mais impactada. Emocionada, ela tenta conviver com a realidade que a afastou do trabalho:
— Olha o meu caso. Imagina tu perder tua visão? É um descaso da prefeitura. Minha vida foi arruinada em função da omissão do poder público.
Maria de Fátima relata ainda que, no começo do surto, passou a tomar água fervida. Ela afirma que como o tempo passou e "não se tinha nenhuma outra orientação", resolveu voltar a tomar água da torneira. Depois do diagnóstico, adotou o uso de água mineral.
Ambulatório desativado
Em maio do ano passado, um ambulatório de oftalmologia para tratar pacientes com toxoplasmose foi criado no Hospital Casa de Saúde. Os atendimentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) eram feitos pelo Instituto de Oftalmologia do Hospital São Roque de Faxinal do Soturno, na Região Central.
Em resposta a GaúchaZH, a prefeitura informou que o ambulatório "está desativado por falta de pacientes" e que as pessoas que apresentam lesão ocular são "acompanhadas em Faxinal do Soturno, que é referência para esses casos, e não há registro de nenhum novo caso". A prefeitura destacou ainda "que não há registros sobre demora no atendimento a pacientes com suspeita da doença ou mesmo tendo a doença já diagnosticada, e que também não há registro de dificuldade no acesso a tratamento".
A administração afirma também que o diagnóstico de qualquer doença infecciosa, como a toxoplasmose, é caracterizado como de urgência e pode ser feito no Pronto Atendimento (PA) do bairro Tancredo Neves, no PA do bairro Patronato e na Unidade de Pronto-Atendimento (UPA). Quando há suspeita por parte do médico, a prefeitura afirma que o paciente faz sorologia e exames e no caso de resultado positivo é encaminhado para a Casa 13 de Maio, onde é dado seguimento com um infectologista.