O câncer tem um talento insidioso para fugir das defesas naturais do organismo que deveriam destruí-lo – mas e se conseguíssemos descobrir uma maneira de ajudar o sistema imunológico a reagir?
Isso já começou a acontecer. O crescente campo da imunoterapia está mudando profundamente o tratamento da doença e já resgatou muita gente de uma malignidade avançada que, há pouco tempo, seria considerada sentença de morte.
"É cada vez mais comum ver pacientes com câncer em estágio avançado vivendo anos, e não meses", afirma um editorial recente da publicação científica JAMA. E prossegue, acrescentando que uma sobrevivência mais longa significa que os profissionais da saúde em praticamente todas as especialidades, não só os oncologistas, cuidarão de pessoas que convivem ou estão se recuperando de um câncer.
A imunoterapia é responsável por grande parte desse progresso, ainda que não possa ajudar a todos, uma vez que os efeitos colaterais podem ser implacáveis e as despesas, astronômicas. De maneira geral, ela funciona em pouco menos da metade dos pacientes, mas resulta em uma remissão que pode durar anos.
E isso é o máximo que podemos obter? Muito provavelmente, não. O campo ainda é novo, há centenas de triagens clínicas em evolução e os pesquisadores estão tentando descobrir como aperfeiçoar os tratamentos já desenvolvidos, além de criar outros.
Até agora, os dois métodos aprovados pela FDA (agência federal norte-americana que regulamenta alimentos e medicamentos) são conhecidos como inibidores de ponto de controle e CAR T-Cell. Ambos envolvem um "burro de carga" do sistema imunológico: o linfócito T auxiliar, cuja função é eliminar as células que se tornaram malignas ou foram infectadas por vírus.
Entretanto, os cientistas também estão tentando abrir uma avenida totalmente nova nesse campo, que não se concentra nas células T, mas em outra parte do sistema imunológico, um leucócito chamado macrófago. Ele engole e destrói micróbios e outras substâncias estranhas, mas as células cancerosas lhe escapam porque conseguem acionar um mecanismo que o "desliga" – graças a uma proteína que os pesquisadores chamam de "sinal não me coma".
Em uma fase inicial do estudo, publicada no New England Journal of Medicine, os pesquisadores fizeram testes com 22 pacientes com linfoma resistente a outros tratamentos, administrando-lhes um remédio padrão combinado com outro, experimental, que bloqueava o tal sinal (a Forty Seven, fabricante do medicamento novo, ajudou a financiar a análise.).
Segundo os autores, o câncer encolheu em 11 pacientes e desapareceu completamente em oito, com efeitos colaterais mínimos, especialmente em comparação com as outras formas de imunoterapia. Eles fazem questão de frisar que a pesquisa está no início e ainda precisa ser validada, mas outros estudiosos estão explorando a mesma abordagem em tipos diferentes de câncer, incluindo o mieloma múltiplo.
— O conceito, se for confirmado, é realmente bem profundo. Pode ser revolucionário — afirma Alexander M. Lesokhin, oncologista do Memorial Sloan Kettering Cancer Center em Nova York, que está fazendo pesquisa semelhante, mas não se envolveu no estudo em questão.
Para um dos pacientes da triagem, o resultado foi realmente extraordinário: Michael Stornetta, 71 anos, tinha um linfoma folicular há cinco, tendo passado por vários tratamentos que não conseguiram controlá-lo. Em 2017, entrou para um estudo realizado pela Universidade de Stanford, um dos 10 centros envolvidos na pesquisa.
—Eu me considero um ratinho de laboratório. É muito gratificante saber que tenho essa chance; só torço para que esse remédio consiga tratar outros tipos de câncer, incluindo o que eu tenho. Sinto que estou, de certa forma, contribuindo para a humanidade — diz ele.
No início do estudo, de 10 a 15 pontos se iluminaram em sua tomografia, indicando a presença de câncer. Agora, ele diz:
—Olho para os novos resultados e vejo que sumiu tudo. Tem só uma manchinha, que os médicos nem acham que é câncer, só resíduo da doença.
Ele ainda está em tratamento, que deve continuar até que se complete um total de dois anos.
—Não sei se vou conseguir dizer que estou 100% livre do câncer, mas os resultados certamente apontam nessa direção. Quem sabe se vai voltar ou não? O que importa é que estou muito feliz por ter revertido a doença e saber onde ela está agora.
O trabalho com os macrófagos e células T é baseado no mesmo princípio: o de que o câncer, às vezes, engana esses elementos de defesa, acionando o mecanismo de "desligamento" que o corpo normalmente usa para impedir que as células do sistema imunológico ataquem os tecidos saudáveis. Os inibidores do ponto de controle bloqueiam o "desligador", liberando as células T para atacarem o câncer. O primeiro medicamento desse tipo, o ipilimumab (da marca Yervoy), foi aprovado em 2011; o seguinte, nivolumab (Opdivo), em 2014; desde então, pelo menos meia dúzia de novidades já chegou ao mercado.
Dois pesquisadores que identificaram os pontos de controle nas células T, cujo trabalho resultou nos inibidores, dividiram o Prêmio Nobel de Medicina deste ano.
Um deles, James Allison, do MD Anderson Cancer Center de Houston, diz que o próximo passo é descobrir como tornar a imunoterapia mais eficiente para um número maior de pacientes. Várias equipes médicas já estão trabalhando para alcançar esse objetivo, em parte combinando os inibidores de pontos de controle entre si ou com a quimioterapia padrão. De uns meses para cá, diversas publicações médicas mostram que esses tratamentos conseguiram prolongar significativamente a sobrevida de pacientes com cânceres bem agressivos, como um melanoma que se espalhou para o cérebro e o de mama triplo-negativo, um tipo de difícil tratamento.
Estudos semelhantes estão investigando outras doenças. O MD Anderson, por exemplo, está testando dois inibidores de pontos de controle com quimioterapia em pacientes com leucemia mielogênica aguda.
Já as CAR T-Cells envolvem um tratamento bem mais complexo, no qual milhões de células do paciente são extraídas do sangue, geneticamente reprogramadas para atacar um alvo em particular e, a seguir, devolvidas. Foi essa terapia que, ainda experimental em 2012, salvou no Hospital Infantil da Filadélfia uma garotinha de seis anos, Emily Whitehead, com leucemia avançada. Hoje com 13, ela continua bem de saúde.
Muitas vezes chamados de "drogas vivas", os tratamentos CAR T-Cells foram aprovados, em 2017, para certos tipos de leucemia e linfomas, ambos com nomes impronunciáveis: tisagenlecleucel (Kymriah) e axicabtagene ciloleucel (Yescarta). Kymriah é a versão comercial do tratamento de Emily.
Os pesquisadores que estão testando os tratamentos CAR-T em outros tipos de câncer sanguíneo tentam expandir seu uso e seu poder, programando-os para atacar uma maior variedade de alvos nas células. Por enquanto, eles não funcionaram nos chamados tumores sólidos, como o de mama ou de cólon, mas os cientistas ainda não perderam as esperanças.
Por Denise Grady